Zerar desmatamento na Amazônia e no cerrado pode gerar ganho de R$ 1,2 tri

Zerar desmatamento na Amazônia e no cerrado pode gerar ganho de R$ 1,2 tri

Zerar o desmatamento na Amazônia e no cerrado até 2030, como o Brasil se propõe a fazer, pode gerar um ganho de até US$ 240 bilhões (R$ 1,2 trilhão) para o PIB (Produto Interno Bruto) mundial.

Os cálculos são do pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas) e economista sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, e consideram tanto o aumento da emissão de gases do efeito estufa por conta das queimadas quanto a redução da floresta, o que reduz a absorção de carbono.

Ele afirma que segue a lógica do CSC (Custo Social do Carbono). O cálculo envolve a estimativa dos impactos causados pelas mudanças climáticas, como danos causados à saúde humana e ao meio ambiente, e os custos para remediá-los.

Um menor aquecimento global, por exemplo, significaria desde menos gastos com energia para ar-condicionado até uma elevação menor do nível dos oceanos (que pode desvalorizar imóveis nas regiões litorâneas e até mesmo destruí-los) ou uma maior produtividade agrícola e do trabalho (neste último caso, por conta dos impactos sobre a saúde humana).

Segundo o economista, a queda do desmatamento nos dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a redução da emissão de gases de efeito estufa proporcionou, em valores atuais, um ganho de US$ 818 bilhões (R$ 4,2 trilhões) para a economia mundial entre 2003 e 2011, na comparação com um cenário em que os resultados de 2002 fossem mantidos.

Em contrapartida, o aumento do desmatamento e suas consequências na alta de emissão de gases de efeito estufa de 2019 a 2022, já durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), levaram a uma perda estimada em US$ 201 bilhões (cerca de R$ 1,02 trilhão, na comparação com a tendência em 2008 e com a estimativa para o ano passado).

Bráulio usou dados de emissões líquidas do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima, e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para desmatamento.

Para estimar os custos, foi usado o chamado CSC (Custo Social do Carbono) por tonelada adicional de CO2 (gás carbônico) despejada na atmosfera —de US$ 185 por tonelada em 2020 e chegando a US$ 226 em 2030.

Considerando uma trajetória linear de redução, a partir de 2027, os biomas sairiam do patamar de perdas e passariam a gerar ganhos para a economia mundial, que somam os US$ 240 bilhões.

Com desmatamentos zerados em ambos os biomas em 2030, a captura de GEE pelas florestas seria maior do que as emissões brutas por conta de desmatamentos e queimadas, explica o pesquisador.

Ele lembra que também é preciso considerar que os ganhos são diluídos no tempo —ou seja, não necessariamente se materializarão integralmente entre 2027 e 2030— e caso o desmatamento se mantenha zerado a partir de 2031, o ganho acumulado vai crescendo.

“Esses ganhos e perdas afetam a economia mundial ao longo de muitos anos, já que os gases de efeito estufa têm efeitos por séculos, e os ganhos e perdas são diluídos no tempo. Há cerca de cinco anos, era uma utopia, mas hoje está clara a maneira como o Brasil pode monetizar a preservação, por meio do mercado de crédito de carbono”, diz Borges.

Em novembro do ano passado, ainda na condição de presidente eleito, Lula ressaltou em discurso na COP 27 (conferência para o clima), no Egito, que o combate às mudanças climáticas seria prioridade nos quatro anos de seu governo.

“Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida, não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação dos nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a declaração de Glasgow sobre as florestas”, disse o petista.

“Vamos priorizar a luta contra o desmatamento em todos os nossos biomas. Durante os três primeiros anos [do governo Bolsonaro], o desmatamento na Amazônia teve um aumento de 73%, essa devastação ficará no passado”, concluiu.

Borges avalia que a guinada na política ambiental, com a derrota de Bolsonaro em 2022, coincide com o avanço nas discussões sobre preservação ambiental, que o Brasil pode capitanear nos próximos anos.

Nesse cenário, o destaque que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem recebido e sua presença no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), empresta ao país uma reputação bastante positiva em todo o mundo, avalia o economista.

“Já voltamos com o Fundo Amazônia, voltamos com o plano de combate ao desmatamento e já estamos recompondo orçamentos e equipes dos ministérios. O Brasil tem compromissos ambiciosos em relação a ser um país economicamente próspero, socialmente justo, politicamente democrático, culturalmente diverso e ambientalmente sustentável”, disse Marina em Davos.

“Mas a gente precisa correr atrás, alguns resultados vão precisar ser entregues em breve e vai ser preciso estipular metas mais ousadas e um plano para cumprir essas regras”, diz Borges, que destaca oportunidades na expansão do setor elétrico por meio de energia eólica e solar e definição de padrões de emissões.

Com a guinada na política ambiental, o Brasil também pode se beneficiar nos próximos anos da atração de capitais por meio de investidores que levam em conta a preservação ambiental. Além disso, o país pode evitar sanções aos produtos brasileiros e destravar o acordo entre Mercosul e União Europeia, conforme já sinalizado por líderes europeus.

“E podemos ganhar royalties para manter a floresta de pé e ganhar para reflorestar. O mercado de crédito de carbono está se tornando cada vez mais global. Se o Brasil reduzir a zero o desmatamento, vai ter um excedente em relação às metas e poderá exportar isso para outros países cumprirem as suas”, diz Borges.

O pesquisador acrescenta que, embora efeitos do desmatamento sejam captáveis com mais clareza pelos economistas —como o aumento da criação de gado nos estados da Amazônia Legal ou da extração de madeira ilegal— há custos que o desmatamento gera e que são mais difíceis de captar, como o da redução do regime chuvas no Centro-Oeste e mesmo no Sudeste e Sul.

 

NÃO BASTA RETOMAR AGENDA, GOVERNO PRECISA AVANÇAR

Na avaliação de especialistas ouvidos pela Folha, o governo Lula começa com o desafio de retomar as políticas ambientais que tornaram o Brasil uma referência dos fóruns internacionais nas décadas passadas, mas precisa avançar na estratégia de proteção da floresta.

“É necessário ter um projeto de desenvolvimento sustentável para a região aliado à meta de reduzir o desmatamento. A Amazônia não está sendo cortada para dar lugar a uma produção agropecuária de alta qualidade: quase dois terços são de pasto de baixíssima produtividade, 10% de produção agrícola, e um quinto de vegetação secundária [de áreas abandonadas]”, diz a economista da PUC-Rio Clarissa Gandour.

Em seu novo mandato, Lula precisará retomar o que já havia dado certo antes e investir em pontos que não tiveram tanto avanço, como os eixos de desenvolvimento sustentável e de ordenamento territorial, afirma.

“É preciso tocar na questão dos vazios fundiários, áreas que não estão cadastradas e que não têm função definida. Na questão da grilagem [tomada de terras de maneira ilegal], também se avançou pouco. Sem mexer no ordenamento territorial, não vai ter desmatamento zero”, diz Gandour, que é coordenadora de Avaliação de Política Pública com foco em Conservação na CPI (Climate Policy Initiative).

A pesquisadora lembra que também é preciso olhar para os assentamentos da reforma agrária, que representam quase um quinto do que foi desmatado, é uma questão cheia de nuances, por tratar de famílias que precisam sobreviver e garantir a viabilidade de suas terras.

O Brasil pode ser sinônimo de superpotência de biodiversidade, na área ambiental tem indicadores que países desenvolvidos não têm. É campeão de biodiversidade, mas tem dificuldade de aceitar essa ideia, avalia Carlos Eduardo Young, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

“A fala do [vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] Geraldo Alckmin, de instalar uma secretaria de economia verde, e de termos dentro do BNDES uma diretoria específica de economia verde ampliam a discussão para além do Ministério do Meio Ambiente. Vejo com felicidade que temos agora uma outra conjuntura.”

O professor ressalta que a dependência que o Brasil criou da receita com a exportação do agronegócio e de recursos minerais ainda terá forte peso político para os próximos anos e é preciso considerar os desafios para a preservação ambiental nesse contexto.

“Mas agora vai haver de fato um debate e é preciso que o país tenha a percepção de que é muito melhor a gente crescer por meio de atividades que geram conservação ambiental e bem-estar para a população.”

Fonte: Folha de S. Paulo

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