Trabalho informal cresce 21,3% em 12 anos no Brasil
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completa 81 anos hoje ainda com fôlego, mas perdendo cada vez mais espaço para a informalidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre emprego no Brasil, compilados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) a pedido do Estado de Minas, indica que número de trabalhadores informais no setor privado cresceu bem mais que o dos assalariados.
De 2012, quando a série histórica sobre emprego do IBGE começou a ser feita, até 2023, houve aumento de 21,3% no trabalho informal. E a quantidade de pessoas que trabalham por conta própria registrou crescimento de 26,6%. Já o trabalho formal teve variação positiva de apenas 5,8% nesse mesmo período.
Segundo o cientista social André Gambier Campos, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, não há queda do trabalho formal e, sim, um crescimento de outras modalidades de trabalho, principalmente nas conhecidas como microempreendedor individual (MEI) e pessoa jurídica.
“O que cresceu mesmo foi o assalariamento sem carteira, por um lado, e o trabalho por conta própria de outro. O fenômeno da “pejotização” é captado, na Pnad/IBGE, principalmente em meio a este último grupo de trabalhadores por conta própria”, afirma o pesquisador.
A mão de obra brasileira hoje, formada por cerca de 110 milhões de pessoas, segundo o pesquisador, é praticamente dividida entre trabalhadores formais (incluindo os servidores públicos concursados) e informais, sem carteira assinada e atuando por conta própria.
Essa realidade, segundo ele, é uma marca do Brasil, um dos países com a maior taxa de informalidade do mundo. E muitas vezes mascara relações formais, sem os direitos previstos na legislação. Uma das explicações apontadas pelos estudiosos do mercado de trabalho, de acordo com Gambier Campos, é o baixo crescimento econômico do país, que não acompanha o aumento da população economicamente ativa.
Outra vertente apontada pelos estudos, afirma o pesquisador do Ipea, é a tributação que incide sobre o trabalho assalariado. Ele destaca um fenômeno recente que tem contribuído para o aumento dos trabalhadores por conta própria. É a “plataformização” do trabalho, caso, por exemplo, dos motoristas de aplicativos, cujo trabalho vem sendo reiteradamente caracterizado pela Justiça, principalmente pelo STF, como não subordinado, portanto não podendo ser encaixado nas regras da CLT. “Isso é um vetor de informalização e não assalariamento do trabalho no Brasil muito forte”, afirma Campos.
Para o superintendente regional do Ministério do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE), Carlos Calazans, esse aumento da informalidade mascara a precarização do trabalho nos dias e retira direitos das pessoas, que muitas vezes labutam como assalariados, tendo que cumprir jornada e com subordinação, mas sem os direitos previstos na CLT.
Segundo ele, são 40 milhões de trabalhadores informais frente ao trabalho formal e por conta própria que, juntos, somam cerca de 65 milhões. Para ele, esses números refletem um aumento da precarização que veio com a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional em 2016 que alterou muitos pontos da CLT e permitiu, inclusive, a ampliação da terceirização da mão de obra.
“Outro problema é a ‘umeirização’, que falo que é a exigência de muitas empresas que o trabalhador tenha MEI, como se fossem microempreendedores individuais”, avalia o superintendente. Para ele, antes o trabalhador preservava muito a aposentadoria, hoje para as novas gerações isso não pesa mais.
“Elas estão negligenciando o futuro, o que acaba afetando toda a estrutura da Previdência Social, afirma. Ele defende a contratação formal e a conscientização das futuras gerações sobre a importância da contribuição para o INSS. Nessa toada, avalia Calazans, em dez anos o trabalho informal vai superar o formal.
E, segundo ele, as decisões recentes da Justiça que vem reconhecendo a informalidade como legal contribuem mais ainda para esse quadro. Recentemente, integrantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e advogados da área do trabalho fizeram um protesto contra o avanço do Supremo Tribunal Federal (STF) em questões relacionadas ao trabalho.
Para a advogada trabalhista Elaine Nassif, que foi procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) durante 25 anos, o trabalhador CLT tem sido trocado, com o aval do STF, por um CNPJ, “o que lhe retira todos os direitos trabalhistas, como se ele magicamente deixasse de ser uma pessoa”.
“A legislação que criou o MEI destinava-se simplesmente a estimular a formalização do autônomo independente, para estender a ele, por valor módico, acesso à previdência. Por isso, substituir empregados por MEI já é, por definição, um desvio de finalidade”, avalia.
Esta lei, segundo ela, quando denominou “empreendedor” a um trabalhador por conta própria, criou um grave problema na forma como os próprios trabalhadores passaram a se enxergar. “Eles se acham empresários, mas não tem nada mais do que a força de trabalho para vender”, afirma.
ATIVIDADE SEM REGISTRO
Daiana Ferreira Moraes, de 35 anos, há 12 anos trabalha na informalidade, sem nunca ter tido carteira assinada. Ela trabalha na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, captando pessoas interessadas em vender joias de ouro e recebe apenas comissão. “E mesmo assim, eu ganho mais do que receberia se tivesse carteira assinada, faço o meu próprio horário e o que ganho aqui cobre todos os benefícios que teria se fosse carteira assinada”, assegura Daiana, que não recolhe para o INSS.
Já o educador físico e professor de artes marciais Warley Rodrigues, de 39, trabalhou de carteira assinada até 2016, quando pediu demissão de um emprego formal de técnico em serviços gerais em uma escola particular na capital para trabalhar por conta própria. “Eu percebi que no trabalho que estava não conseguiria chegar a lugar nenhum mais”, afirma Rodrigues, que decidiu deixar o emprego para abrir uma academia de artes marciais. “Pelos parâmetros que tenho hoje acho que não trabalharia mais como celetista”, afirmou o professor, que recolhe mensalmente para o INSS e defende a independência que o trabalhador tem quando atua por conta própria.
ESTABILIDADE NO TRIMESTRE
O IBGE divulgou ontem dados da Pnad Contínua que contemplam atividades formais e informais, ou seja, abrange desde os empregos com carteira assinada e CNPJ até os populares bicos. O IBGE destacou que o número de trabalhadores com carteira assinada não teve variação significativa no primeiro trimestre deste ano em relação ao último de 2023. Essa população permaneceu em cerca de 38 milhões no primeiro trimestre.
“A estabilidade do emprego com carteira no setor privado, em um trimestre de redução da ocupação como um todo, é uma sinalização importante de manutenção de ganhos na formalização da população ocupada”, afirmou Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas domiciliares do IBGE.
De acordo com o IBGE, uma das consequências da manutenção das vagas formais foi o desempenho do rendimento trabalho, que avançou a R$ 3.123 na média dos ocupados. A renda teve alta de 1,5% no trimestre e de 4% em um ano. O indicador estava em R$ 3.077 nos três meses finais de 2023 e em R$ 3.004 no primeiro trimestre de 2023.
TAXA DE DESEMPREGO AVANÇA PARA 7,9%
A taxa de desemprego do Brasil avançou a 0,5 ponto percentual no primeiro trimestre de 2024, cresceu de 7,4% nos três meses finais do ano passado para 7,9%, informou ontem o IBGE. Apesar da elevação, o patamar é o menor para o período de janeiro a março desde 2014, quando o indicador foi de 7,2%. O novo resultado também ficou levemente abaixo da mediana das previsões do mercado financeiro. A projeção de analistas consultados pela agência Bloomberg era de 8,1%. Os dados divulgados ontem integram a Pnad Contínua.
No primeiro trimestre deste ano, o número de desempregados avançou a 8,6 milhões. O contingente cresceu 6,7% (mais 542 mil) ante os três meses finais de 2023 (8,1 milhões). Tradicionalmente, o início de ano é marcado pelo aumento do desemprego. O problema costuma ocorrer com a retomada da procura por trabalho e o término de vagas temporárias de fim de ano.
Não foi diferente nesta vez, segundo Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas domiciliares do IBGE. A pesquisadora afirmou que o aumento da taxa de desemprego pode ser associado a esses fatores. A população ocupada com algum tipo de trabalho foi de 100,2 milhões de pessoas no primeiro trimestre de 2024. Isso significa uma redução de 0,8% (menos 782 mil) na comparação com os três meses anteriores (101 milhões).
“Esse panorama caracteriza um movimento sazonal da força de trabalho no primeiro trimestre de cada ano, com perdas na ocupação em relação ao trimestre anterior", disse Beringuy. A população considerada desempregada reúne pessoas de 14 anos ou mais que estão sem ocupação e que procuram oportunidades. Quem não está buscando vagas, mesmo sem emprego, não faz parte desse contingente nas estatísticas oficiais.
Na visão de analistas, os dados da Pnad ainda mostram sinais de força do mercado de trabalho, apesar do aumento sazonal do desemprego. “O crescimento mais forte da atividade [econômica] nesse começo do ano está bastante relacionado com o mercado de trabalho aquecido e os salários em alta, o que tem se refletido numa expansão da economia puxada principalmente pelo lado da demanda no primeiro trimestre", disse o economista Rafael Perez, da Suno Research.
DATA HISTÓRICA
O Dia do Trabalhador faz referência ao movimento por melhores condições de trabalho deflagrado nesta data, em 1886, em Chicago (EUA), quando houve greve geral cuja principal pauta foi a redução da jornada de trabalho de 13 horas para 8 horas diárias. No Brasil, a data foi reconhecida apenas em 1925, por meio de um decreto assinado pelo então presidente Artur Bernardes. Nesta data também há 81 anos, por meio do Decreto-Lei nº 5.452, o presidente Getúlio Vargas instituiu a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho).
Fonte: Estado de Minas