Terror: parte da imprensa enfia a cabeça no buraco, como não faz o avestruz
Há um certo esforço em setores da imprensa para subestimar as ameaças terroristas, como se não atribuir aos fatos o seu devido peso os tornasse mais leves. Adotam, assim, o comportamento atribuído ao avestruz — coisa que a ave, obviamente, nunca fez e não faz. Se enfiasse a cabeça no buraco em situação de perigo, já teria sido extinta. Quando parece se esconder, está, na verdade, engolindo pedregulhos para facilitar a digestão. Penso que a gente até pode engolir pedra, como expressão do realismo político, mas jamais dar uma de bobo. O que está em curso em Brasília e em alguns locais no Brasil é coisa muito grave.
Informa reportagem do Estadão:
"A Polícia Militar do Distrito Federal encontrou na tarde deste domingo, 25, material explosivo em uma área de mata na cidade do Gama, próximo a Brasília. À noite, por volta das 22h30, o esquadrão de bombas do Batalhão de Operações Especiais conseguiu neutralizar os artefatos com uma detonação controlada. Não há informação que essa ocorrência tenha ligação com a bomba encontrada perto do aeroporto da capital federal. O material no Gama foi localizado na DF-290, após policiais terem recebido denúncia. O local fica a cerca de 40 minutos do centro de Brasília. A PMDF também encontrou na área de mata coletes balísticos e capas. Os coletes foram encaminhados à 20ª Delegacia para registro da ocorrência."
Colunistas do UOL
Com correta prudência, o texto informa não estar demonstrada a vinculação entre o material encontrado e a bomba colocada no caminhão-tanque, mas há algum motivo razoável para duvidar da conexão entre uma coisa e outra? Mais: com esses outros explosivos, também foram encontrados coletes balísticos, que costumam ser empregados por pessoas ligadas a forças militares e paramilitares. Não custa lembrar que, no apartamento alugado por George Washington de Oliveira Souza, que está preso, foram encontradas, além de pesado arsenal, emulsões para fabricação de novos explosivos.
Não se chegou a uma situação como essa, reitero, por acaso. Trata-se de uma escalada. Ao longo de quase dois meses, pessoas se reúnem às portas do QG do Exército, em Brasília, e em algumas outras localidades país afora para fazer a defesa aberta de um crime: mediante ameaça ou violência explícita, incidem nos Artigos 359-L (golpe de estado), 359-M (deposição de governo legítimo) e 359-R (ataque à infraestrutura) do Código Penal. E nada acontece. Incitam também o conflito entre as Forças Armadas e os civis, aí incorrendo no Artigo 286, Parágrafo Único.
Exceção feita ao STF, e sobre seus ombros recai todo o peso de conter os celerados, o que se tem é desídia, omissão, prevaricação. Reitero: a PGR tentou impedir que dados sobre os ataques terroristas do dia 12 fossem enviados a inquéritos abertos no Supremo. Considerou que poderia caracterizar "perseguição a opositores". É um despropósito. Ora, se comportamentos escancaradamente criminosos são tolerados; se há prosélitos disfarçados de jornalistas a chamar a delinquência de "liberdade de expressão"; se até a imprensa profissional prefere olhar para o outro lado e produz mais editoriais contra a PEC de Transição do que contra as práticas terroristas, é evidente que os delinquentes se sentem estimulados a continuar no que consideram a sua "luta".
Mais: ainda que a larga maioria dos que se aglomeram às portas dos quartéis não opte pelo terrorismo e pela luta armada, é fatal que se constitua o caldo de cultura que vai fomentar os extremistas, que, então, se sentem estimulados a agir. Perguntem a muitos dos que lá se encontram se são favoráveis a deixar Brasília às escuras ou a mandar para os ares uma área do aeroporto. Como se consideram todos "homens e mulheres de bem", dirão que não. Ora, qual é a gênese do terror? É uma facção extremista que se descola de uma massa que tem uma causa — que pode até ser justa na origem. A questão é saber se infundir o terror e matar inocentes é um meio que legitima o fim.
No caso em questão, nem mesmo o fim pode aspirar a alguma nobreza ou causa historicamente explicável e justificada. Trata-se de pessoas que apelam à "liberdade de expressão", que a Constituição garante, para atentar contra a própria Constituição, uma vez que estão a defender um golpe de estado para impedir a posse do presidente eleito. Como não há meio pacífico de realizar esse intento, então estão a defender, necessariamente, a violência, ainda que muitos possam hesitar em dar nome às coisas. E, como sempre acontece em casos assim, há os que se apresentam, como fez o tal George Washington, para o serviço sujo.
COMBATE FORTUITO
Vejam que elementos fortuitos determinaram, até agora, as duas ações da Polícia que levaram ao encontro dos explosivos: no caso do caminhão, o próprio motorista acionou a Polícia porque estranhou o objeto largado no veículo. E a investigação revelou um plano macabro, homicida. O encontro de explosivos e coletes na mata nasce de uma denúncia anônima. Faço uma pergunta meramente retórica: os agentes de segurança e da Inteligência, que têm o dever legal de se infiltrar em movimentos dessa natureza, estão lá para identificar os chefes da organização criminosa? Há a grave, gravíssima!, desconfiança de que pode estar a acontecer o contrário: agentes pagos pelo Estado estariam a fornecer expertise a bandidos.
Não é surpresa que Bolsonaro tenha escolhido o silêncio quando um de seus fanáticos confessa que se organizou para provar o caos, com a intenção de levar à decretação de estado de sítio. O que me espanta, aí sim, é um certo "dar-de-ombros" de setores da imprensa, como se dissessem: "Ah, sabem como é, Bolsonaro é assim mesmo..." E ainda se reserva espaço a vozes críticas a Flávio Dino, futuro ministro da Justiça, como se este estivesse a superestimar os riscos. Insisto: lances fortuitos levaram à descoberta de ações que o mundo inteiro classifica como terrorismo. Não se tem notícia de que as descobertas decorram de um trabalho de Inteligência e investigação.
O presidente está mudo. O ministro da Justiça está mudo. O chefe da Casa Civil está mudo. Quem cala diante do terror consente com os pressupostos e com a prática. E quem legitima a pregação golpista sob o pretexto de garantir a liberdade de expressão está alimentando o terror.
SE NÃO FICOU CLARO...
Há quem não tenha entendido a observação que fiz aqui sobre a Lei 13.260, de combate ao terrorismo. Infelizmente, por razões nas quais não entrarei agora para não criar um desvio analítico, o texto não pune práticas obviamente terroristas motivadas por escolhas políticas. O Artigo 2º define:
"Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública."
Os terroristas flagrados poderão dizer: "Não agi por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião"...
A lei é ruim, como está, mas não precisamos dela para combater os canalhas. Praticam crime comum, como já deixei claro, e o Código Penal, nos artigos acima listados, pode enviá-los por uns bons anos ao xilindró: vale tanto os que partiram para a ação direta como para os que incitaram a violência ao tentar normalizar a pregação golpista como "direito à livre manifestação".
ENCERRO
O arsenal encontrado com o criminoso preso evidencia, uma vez mais, em que se transformaram os tais "CACs" depois das delinquências praticadas por Bolsonaro no que respeita às armas. É claro que existem aqueles que realmente se consideram "colecionadores, atirados e caçadores" -- embora essa última categoria seja um tanto misteriosa para mim...
É preciso saber quantos são e submetê-los a rigoroso controle. Os decretos de Bolsonaro sobre armas serviram, como resta óbvio, ao tráfico de armas e ao crime organizado. Colocar essa atividade sob a estrita vigilância do Estado democrático é um imperativo civilizatório.
E não! O país não vai se tornar mais seguro se setores da imprensa agirem como não age o avestruz.
Reinaldo Azevedo
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa "O É da Coisa", na BandNews FM. No UOL, Reinaldo trata principalmente de política; envereda, quando necessário - e frequentemente é necessário -, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.
Fonte: UOL