Sócio do Supermercados BH é investigado por criar bois no Parque do Peruaçu
PERNA DA BAILARINA é o apelido da maior estalactite do mundo. A formação mineral que cai em forma de gota da Gruta do Janelão tem o tamanho da estátua do Cristo Redentor e é uma das principais atrações do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no norte de Minas Gerais.
Com mais de 140 cavernas, 80 sítios arqueológicos e pinturas rupestres de 11 mil anos, a reserva está ameaçada pela criação irregular de bois, segundo uma investigação aberta pelo Ministério Público Federal de Minas Gerais (MPF-MG). Os animais pertencem a um dos maiores empresários de Minas Gerais, Walter Santana Arantes, pecuarista e sócio de grandes redes de supermercado do estado, como BH e EPA.
Arantes foi autuado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por colocar bois para pastar em uma área de 22,7 hectares do parque. O local foi, então, “embargado” — ou seja, teve seu uso proibido. Porém, segundo a investigação conduzida pelo procurador do MPF, Frederico Pellucci, o empresário descumpriu o embargo. Por essa razão, foi multado em R$ 440 mil pelo ICMBio.
Sócio de 29 empresas e com forte atuação no setor agropecuário, Arantes é dono de pelo menos 11 fazendas, a maioria delas nos municípios de Januária e Itacarambi, no norte de Minas Gerais. O pecuarista acumula dezenas de multas de ICMBIo e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), além de órgãos ambientais de Minas Gerais. Somados, os valores chegam a quase meio bilhão de reais.
Arantes, no entanto, é mais conhecido por sua participação como investidor de grandes cadeias de varejistas, em negócios conjuntos com os filhos. É o caso do grupo DMA, dos supermercados Epa e Mineirão, com 181 lojas em Minas Gerais, e do Supermercados BH, a quinta maior rede do Brasil, com 300 unidades em Minas e no Espírito Santo.
Em abril, outro sócio do Supermercado BH — Pedro Lourenço, o Pedrinho — ganhou destaque nacional ao comprar as ações do Cruzeiro, antes propriedade do ex-jogador Ronaldo Nazário de Lima, o Fenômeno. Pedrinho e Arantes também atuam na diretoria da Associação Mineira de Supermercados, ambos como vice-presidentes.
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Presença de gado compromete vegetação natural
De acordo com documentos enviados pelo ICMBio ao MPF, a Fazenda Minará, onde Arantes cria gado, está sobreposta a duas zonas da área de proteção ambiental localizadas no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.
Uma delas, a chamada “zona primitiva”, permite apenas pesquisa científica, monitoramento ambiental, visitação em caráter restrito, educação ambiental e fiscalização. A outra zona, de recuperação, impede qualquer tipo de degradação e determina a recuperação das áreas já exploradas.
“Uma área de beleza cênica e importância ecológica inestimáveis, exigindo atenção e comprometimento para garantir sua preservação a longo prazo”, justificam os fiscais do ICMBio em uma das multas.
A presença de gado causou a compactação do solo, o que dificulta a infiltração de água, aumenta o risco de erosão e impede o crescimento das raízes das plantas, comprometendo a regeneração natural da vegetação local, informam os técnicos do órgão federal.
Além da multa, a fiscalização determinou que o proprietário retirasse imediatamente o gado da área embargada e instalasse cercas para evitar novos impactos.
Com 56,8 mil hectares (quase duas vezes o tamanho de Belo Horizonte), o Parque do Peruaçu é uma área protegida desde 1999 e tem mais de 140 cavernas, 80 sítios arqueológicos e pinturas rupestres que remontam a cerca de 11 mil anos (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil) Documentos enviados pelo ICMBio ao MPF mostram que a Fazenda Minará, onde Arantes cria gado, está sobreposta a duas zonas da área de proteção ambiental localizadas no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. (Foto: reprodução/MPF)
Na Fazenda Minará, fiscais do ICMBio já encontraram embalagens de agrotóxicos sem registro e com risco de contaminação. Também auturaram o fazendeiro por desmatamento ilegal e operação de uma serraria sem autorização. Ao todo, foram quatro infrações, num total de R$ 105 mil em multas.
Um levantamento da Agência Pública apontou Arantes como o campeão de multas ambientais no Cerrado, quando são consideradas as unidades de conservação e parques, áreas de atuação do ICMBio. Entre 2009 e 2021, ele recebeu nove multas, todas no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, somando R$ 16,8 milhões.
A maior delas, no valor de multa, de R$ 13,9 milhões, foi aplicada em 2017 por destruir uma lagoa marginal do Rio São Francisco, chamada de Lagoa Bonita, uma área de preservação permanente. No período de seca da lagoa, a vegetação nativa foi removida, a terra arada e plantado capim para pastagem dos bois.Segundo o ICMBio, a lagoa tem alta relevância para alimentação das aves da região, além de servirem de abrigo e descanso para aves migratórias.
Em outra fazenda, a Iporanga, o pecuarista foi autuado pelo Ibama por desmatar 60 hectares de vegetação e mata seca em regeneração nos limites do Parque do Peruaçu, em 2004. Quatorze anos depois, fiscais do ICMBio constataram que a área embargada estava sendo usada para pastagens. Ao todo, foram três multas, no total de R$ 225 mil reais. Já na Fazenda Massapê, duas multas somam pouco mais de R$ 1 milhão, pelo mesmo motivo: colocar gado para pastar em áreas de proteção do parque.
Empresário nega irregularidades
Em nota, o advogado José Cordeiro, que representa Arantes em processos decorrentes de infrações ambientais, disse que seu cliente respeita as leis. “Confiamos no trabalho do Ministério Público e também do Poder Judiciário na apuração dos fatos e no respeito ao contraditório e à ampla defesa”, informou.
Outra nota, enviada pelo advogado Tércio Mercato após a reportagem procurar o grupo DMA, sustenta que as multas foram aplicadas em fazendas que não seriam de propriedade de Arantes e que uma perícia está em curso para averiguar os reais proprietários.
“Tenho certeza que após todo esse levantamento tanto o Ministério Público, assim como todo o poder Judiciário, trará o resultado da apuração e as verdades dos fatos. Sendo uma pessoa evangélica, um homem de Deus, confio plenamente na justiça do homem assim como na justiça divina”, diz a nota.
A Amis informou que não se pronuncia sobre assuntos particulares dos seus diretores. Procurado, o Supermercados BH não se posicionou.
Empresário foi preso em 2018
Conhecido como Waltinho, Arantes também já foi acusado de ser o mandante de ameaças a populações tradicionais nas margens do Rio São Francisco. Entre as estratégias de intimidações estão funcionários armados, abordagens agressivas e o voo constante de drones vigiando os passos de quilombolas e vazanteiros, conforme revelou a Repórter Brasil em reportagem publicada em 2021.
Ao ser questionado se pessoas contratadas por ele ameaçam os quilombolas, Arantes respondeu à época: “Desconheço totalmente essa informação, mas caso estes fatos sejam comprovados judicialmente, serão sumariamente demitidos. Sou contra qualquer tipo de violência.”
O empresário foi um dos 16 presos, em 2018, na Operação Capitu, da Polícia Federal, em um suposto esquema de corrupção envolvendo o Ministério da Agricultura. Também foram detidos na mesma operação o empresário Joesley Batista, sócio da JBS, e Antônio Andrade, então vice-governador e ex-ministro da Agricultura, entre 2013 e 2014. As prisões foram revogadas dias depois pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nota da redação: a reportagem foi atualizada às 14h30 para informar que, por ora, o MPF conduz uma investigação. Nenhuma ação foi ajuizada.
Fonte: Repórter Brasil