Por que os “Bancões” brasileiros tiveram um “lucrão” no início de 2023
O tamanho do lucro divulgado nos últimos balanços pelos principais bancos privados brasileiros chamou a atenção nas últimas semanas.
Somados, os ganhos obtidos no primeiro trimestre de 2023 pelo Itaú Unibanco, Bradesco e Santander alcançam a cifra de R$ 14,85 bilhões. Trata-se de uma quantia que soa formidável – e é –, mas, vista de perto, mostra desníveis acentuados de desempenho entre essas instituições e desafios parrudos para parte expressiva dos “bancões” nacionais.
A narrativa do lucro recente dessas instituições conta, na verdade, duas histórias distintas. O Itaú destacou-se no cenário financeiro nacional. Entre janeiro e março, registrou o segundo maior lucro trimestral da história dos bancos brasileiros, amealhando R$ 8,435 bilhões.
A quantia beira o dobro do lucro do Bradesco, que alcançou R$ 4,280 bilhões no mesmo período, e representa quase quatro vezes o do Santander, que somou R$ 2,140 bilhões. Mas a diferença não se resume a valores. O lucro do Itaú aumentou 14,6% entre o primeiro trimestre deste ano e o mesmo período de 2022. No caso do Bradesco, houve queda de 37,3% na mesma comparação. No Santander, o tombo foi de 46,6%.
Rentabilidade
O retorno sobre o patrimônio do Itaú, que é um indicador de rentabilidade, foi de 20,4%, no começo de 2022, para 20,7%, em 2023. Ou seja, apresentou uma leve melhora. No mesmo período, o mesmo índice do Bradesco registrou queda de 18% para 10,6% e o do Santander, de 20,7% para 10,6%.
E os vilões dessa queda – e da própria diferença de rentabilidade – são conhecidos. “Ela ocorreu pelo aumento da inadimplência e das provisões que alguns bancos tiveram de fazer para enfrentar esse problema”, diz Hugo Queiroz, sócio da consultoria financeira L4Capital.
Inadimplência
A inadimplência escalou as contas do Bradesco e do Santander, enquanto se manteve estável no Itaú entre o quatro trimestre do ano passado e o primeiro deste ano. No caso do Bradesco, ela era de 3,2%, no início de 2022, passou para 4,3%, no fim do ano passado, e chegou a 5,1%, no primeiro trimestre deste ano.
Por isso, em 12 meses, as provisões para devedores duvidosos do banco (no jargão, PDDs) aumentaram 96,8%. Ou seja, a reserva contra o risco de calotes praticamente dobrou em 12 meses. No Santander, esse mesmo estoque preventivo cresceu 138,5%, ou seja, mais que dobrou, na comparação anual e subiu 49,4% em relação ao quarto trimestre de 2022, totalizando R$ 11 bilhões.
E qual a razão de uma escalada tão vertical? Por um lado, os dois bancos estão mais expostos a classes de rendas mais baixas, cuja paulada sobre o poder aquisitivo é maior num cenário adverso de inflação e juros altos. O Bradesco, por exemplo, tem a inadimplência concentrada no portfólio de pessoas físicas e de micro e pequenas empresas.
Para piorar o quadro, houve o rombo contábil da Americanas, com dívidas de R$ 50,1 bilhões, que obrigou os bancões a caprichar no mesmo provisionamento contra calotes, no quarto trimestre de 2022. A varejista deve cerca de R$ 5,1 bilhões ao Bradesco e R$ 3,6 bilhões ao Santander. No caso do Itaú, o débito é de R$ 2,7 bilhões.
Cenário melhor
Agora, tudo isso quer dizer que a coisa vai mal? A resposta é não. Lucros de R$ 4,280 bilhões (Bradesco) e R$ 2,140 bilhões (Santander), registrados em 2023, não brotam em árvores. Além do mais, se esses valores caíram em relação ao início do ano passado, eles melhoraram de forma substancial na comparação com o último trimestre de 2022, o período em que as provisões contra calotes cresceram de forma substancial.
Entre janeiro e março, o lucro do Bradesco cresceu 168,3% sobre o trimestre anterior, embora tenha caído na comparação anual. Ele também ficou pouco mais meio bilhão de reais acima das previsões do mercado, que apontavam para ganhos da ordem de R$ 3,7 bilhões. No Santander, o avanço do lucro foi de 26,7% no mesmo período. Na prática, isso quer dizer que essas instituições estão piores do que estavam no início de 2022, mas melhores do que estiveram no fim do ano passado.
“Os bancos, que formam o setor mais resiliente da economia do Brasil, fizeram o dever de casa e organizaram seus passivos para este ano”, diz o economista Gustavo Bertotti, da Messem Investimentos. “No segundo semestre, ainda teremos uma possível redução de juros, a partir de setembro, o que ainda pode melhorar o quadro.” Em suma, se a situação não está ótima para todos, também não está péssima para ninguém.
Fonte: Metrópole