Por que deputados que apoiaram a PEC da Blindagem ainda devem ser reeleitos

As manifestações realizadas em 27 capitais no dia 21 de setembro contra a chamada PEC da Blindagem, somadas ao debate sobre a anistia a acusados de tentativa de golpe de Estado, tiveram impacto direto no Congresso. Apenas três dias depois, em 24 de setembro, o Senado rejeitou a proposta que havia passado na Câmara com 353 votos favoráveis.
Apesar da derrota da PEC, classificada pelo presidente Lula como “uma vergonha nacional”, é bastante provável que muitos dos deputados que apoiaram a medida consigam se reeleger em 2026.
Esse aparente contraste não é novidade para a Ciência Política. O doutor em Ciência Política Fábio Vasconcellos ressalta que, há quase duas décadas, estudos mostram que votar a favor de medidas rejeitadas pela opinião pública não implica, necessariamente, em fracasso eleitoral. O principal fator está no modelo proporcional de lista aberta, que orienta as eleições para deputado no Brasil.
Nessa lógica, o eleitor tende a valorizar mais os benefícios concretos e locais que recebe do parlamentar, como obras e serviços viabilizados por emendas, do que sua posição em votações nacionais, muitas vezes complexas e distantes da realidade cotidiana.
Em 2007, os pesquisadores Carlos Pereira (FGV) e Lúcio Rennó (UnB) calcularam que a execução total das emendas poderia aumentar em até 25% as chances de reeleição de um deputado. Já em 2017, Pedro Fernando Nery mostrou que 69% dos deputados que votaram a favor da Reforma da Previdência de 1998, no governo FHC, foram reeleitos.
Em artigo publicado no site The Conversation Brasil, Vasconcellos resgata o trabalho do cientista político Jairo Nicolau (FGV), que explica que essa dinâmica decorre de dois fatores:
- O modelo de lista aberta, que estimula o voto no candidato, e não no partido.
- O alto custo informacional, que dificulta ao eleitor acompanhar e avaliar o desempenho de seus representantes.
A maioria dos eleitores sequer se lembra em quem votou para deputado dias após a eleição. Pesquisas recentes mostram que sete em cada dez brasileiros não conseguem identificar seu candidato eleito para a Câmara. Essa baixa memória eleitoral reduz as chances de punição a votos impopulares.
Assim, prevalece o voto personalista e não-retrospectivo: os atributos individuais do candidato e as entregas locais pesam mais do que sua atuação em votações de impacto nacional.
Comunicação digital
A digitalização da política poderia ter diminuído os custos de informação. Mas, paradoxalmente, reforçou o personalismo. Hoje, parlamentares têm contato direto e constante com suas bases por meio das redes sociais, fortalecendo vínculos individuais e reduzindo ainda mais a relevância partidária.
Esse ambiente torna o custo eleitoral de um voto impopular administrável. Mesmo que adversários usem a PEC da Blindagem como arma política, a maioria dos eleitores tende a valorizar aquilo que é palpável em sua comunidade, como uma obra, um recurso para saúde ou educação, em vez de lembrar e punir uma decisão tomada em Brasília.
Além disso, basta a um candidato conquistar um segmento restrito do eleitorado para garantir sua eleição no sistema proporcional. Diferentemente das disputas majoritárias, não é preciso agradar à maioria, mas sim consolidar um reduto fiel.
Assim, o caso da PEC da Blindagem confirma um padrão já observado pela Ciência Política: em um sistema eleitoral personalista, com alta dificuldade de informação e baixa memória do eleitorado, a chance de que deputados sejam punidos por decisões impopulares é pequena. Ao contrário, a combinação de emendas parlamentares, comunicação direta e campanhas centradas na figura individual tende a assegurar a sobrevivência política de boa parte deles.
*Com informações do The Conversation Brasil
Fonte: Jornal GGN