Política monetária é política e o delírio já foi longe demais
Tem momentos que o mercado perde a funcionalidade e é necessário reafirmar o óbvio. Este é o exercício deste comentário.
A sociedade de maneira geral acredita que as decisões de Política Monetária são puramente técnicas e que haja em alguma sala no subsolo do Banco Central um computador com um modelo completo da economia brasileira e que basta a diretoria fazer o input dos últimos dados que, voilà!, temos a taxa SELIC que equilibra o resto da economia. Nada é mais longe da realidade, em especial quando se trata de Politica Monetária, uma vez que a taxa de juros é uma decisão politica e por política não quero dizer politicagem, politica com P maiúsculo. Me explico.
A emissão ou contração monetária não é decidida por uma única entidade, mas sim a seis mãos. Temos nessa equação o Tesouro Nacional (que determina o montante da dívida a ser rolada), o Banco Central (que determina através das operações de Mercado Aberto os fluxos desta dívida no secundário) e por fim temos o Sistema Financeiro (que através dos Bancos Comerciais determina o multiplicador bancário dos depósitos à vista nas suas Tesourarias). Só aí vemos que há um “diálogo” entre três entidades, cada uma com seu objetivo específico, e que coordenar isso é, por definição, uma atividade política.
Alguém poderia argumentar que esse diálogo entre esses três participantes poderia se dar dentro do rigor da modelagem matemática e assim a decisão técnica se daria num sistema de equações simultâneas onde se encontraria o valor de equilíbrio entre os três, mas isso é um delírio. Não é assim que funciona uma vez que não há capacidade computacional no mundo que equilibre tudo sobre uma única taxa no momento presente, afinal juros são uma ponte do presente com o futuro e o futuro está sempre em movimento.
Quem está familiarizado com física sabe que o Problema dos Três Corpos não tem solução, ou seja, se temos um pêndulo duplo, ou mesmo três planetas orbitando entre si, o sistema se torna caótico.
A solução econômica para esse dilema é que a Autoridade Monetária exerça para além da sua própria influência neste jogo uma força gravitacional adicional sobre os demais (Tesouro e Sistema Financeiro) de tal sorte que se encontre uma espécie de equilíbrio, equilíbrio esse que é necessariamente dinâmico e não geral.
Traduzindo isso de maneira corriqueira: da mesma forma que a Autoridade Monetária tem que exercer sua autoridade sobre o Tesouro, apontando que há exageros eventuais na condução fiscal, essa mesma Autoridade Monetária tem que exercer sua autoridade sobre o Sistema Financeiro, mostrando que suas teses não se sustentam no longo prazo.
Chegamos assim no cerne do que quero discutir. O Banco Central reverberou as opiniões do mercado sobre a inflação e assim desbalanciou o equilíbrio justamente por falar o que o mercado “queria ouvir”. A reação do mercado não foi de concordância, mas antes de repulsa porque este mesmo mercado – neste meio tempo – mudou de opinião.
Ao invés de jogar os juros longos para baixo como sinal de aproximação dos outros dois corpos o mercado opera os juros para cima trazendo para isso novas hipóteses. A hipótese da vez é que as elevações na taxa SELIC podem criar Dominância Fiscal, ou seja, o governo teria que gastar tanto dinheiro para “comprar” credibilidade que não teria dinheiro para honrar essa “dívida”.
Delírio puro tal especulação sem contar que é contraditório com o que este mesmo mercado falava não faz muitas semanas atrás.
No entanto existe solução relativamente simples para isso, afinal a função de reação do Sistema Financeiro busca maximizar apenas uma coisa: o lucro.
Se ganha dinheiro com a alta de juros, não há dúvida, mas se ganha mais, especialmente no curto prazo, com a queda dos juros. A Autoridade Monetária tem que deixar claro que não há motivos para a taxa longa estar onde está e tem que fazer isso exercendo sua Autoridade. Alguém poderia argumentar que o mercado não irá comprar esse cenário e irá continuar operando em alta, mas contra argumento com o óbvio: no momento atual o Banco Central Brasileiro tem a ajuda insuspeita da Autoridade Monetária norte-americana que ao cortar seus juros irá forçar os juros aqui para baixo também.
Sei que muitos economistas trabalham sob a hipótese do equilíbrio geral da economia, mas mesmos esses devem concordar comigo que o que se passa com os juros hoje no Brasil está, para ser gentil com as palavras, deslocado. Da mesma forma que o leiloeiro walrrasiano é uma ficção útil para ensinar múltiplos equilíbrios (se N-1 mercados estiverem em equilíbrio o enésimo estará em equilíbrio) a hipótese das Expectativas Racionais necessita da cômoda e preguiçosa presunção que haja um econometrista walrrasiano que consiga equilibrar passado, presente e futuro sobre um mesmo ponto da balança. Infelizmente isso não existe.
por André Perfeito
Fonte: Jornal GGN