Os desafios dos bancos digitais no enquadramento de empregados

Os desafios dos bancos digitais no enquadramento de empregados

A entrada do mundo digital no setor financeiro trouxe novos modelos de negócio, mas também abriu espaço para uma discussão relevante sobre as relações trabalhistas. Afinal, empregados de bancos digitais devem ser enquadrados como bancários, financiários ou em categorias distintas, como comerciários e trabalhadores de tecnologia? O debate, que parecia restrito às fintechs e administradoras de cartão de crédito, ganhou novo fôlego após um recente posicionamento do TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Em junho, ao analisar o Tema 177, o TST firmou entendimento de que empregados de administradoras de cartões de crédito se enquadram na categoria dos financiários. O caso envolveu uma empresa que atuava como administradora de cartões e, posteriormente, se transformou em instituição de pagamento. A partir daí, trabalhadores passaram a sustentar que a mesma lógica deveria se aplicar às fintechs e bancos digitais, também registrados como instituições de pagamento no Banco Central.

Vantagens como bancário
Na prática, o enquadramento como financiário ou bancário garante direitos importantes. Entre eles, a jornada reduzida de seis horas diárias e 30 semanais, prevista no artigo 224 da CLT, além de adicionais específicos previstos em normas coletivas da categoria. Atualmente, muitos empregados desses bancos digitais são registrados como comerciários ou profissionais de TI, categorias que não têm os mesmos benefícios.

Algumas sentenças de primeira instância já apontam no mesmo sentido do TST. A 2ª Vara do Trabalho de São Paulo entendeu, por exemplo, que uma ex-empregada de empresa do grupo de um banco digital deve ser enquadrada como financiária, com base no precedente do TST. A primeira instância afirmou que a empresa administra cartões de crédito, o que justifica o enquadramento (Processo nº 1000144-95.2025.5.02.0002).

Porém, nem todos os julgamentos seguem essa linha. Em processo julgado pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo, envolvendo outro banco digital, foi afastado o enquadramento como financiário. A segunda instância entendeu que a “parceria da instituição de pagamento com uma instituição financeira do mesmo conglomerado para oferta de produtos de crédito a clientes não a caracteriza como instituição financeira” (Processo nº 0001343-65.2024.5.17.0010). A decisão mostra que a controvérsia ainda está longe de ser pacificada.

Atividade bancária tem regime próprio
Nesse contexto, é preciso destacar que a atividade bancária possui regime jurídico próprio. O artigo 224 da CLT estabelece a jornada de seis horas diárias, salvo para cargos de confiança, em que a regra é flexibilizada. Para esses casos, a lei exige gratificação mínima de um terço do salário do cargo efetivo. Há, ainda, a previsão do artigo 62 para gestores e diretores, que, pela autonomia, não estão submetidos a controle de jornada.

O detalhe relevante é que a simples nomenclatura do cargo não define o regime jurídico. Na Justiça do Trabalho, prevalece a análise das funções efetivamente desempenhadas. Assim, analistas ou especialistas que, na prática, não tenham poder de mando ou gestão podem descaracterizar o cargo de confiança e ter direito às horas extras a partir da sétima hora.

Com o crescimento das fintechs e bancos digitais, com operações quase integralmente virtuais, nasceram novas funções que muitas vezes transitam entre tecnologia e serviços financeiros. Essa hibridização leva empregadores a enquadrar parte significativa de sua mão de obra em categorias diferentes da bancária, reduzindo custos trabalhistas. Do ponto de vista sindical, entretanto, há um movimento de resistência, com acusações de precarização do trabalho e até de “uberização” dos serviços financeiros.

Debate ampliado após decisão do TST
A decisão do TST, ao reconhecer o enquadramento de empregados de administradoras de cartão como financiários, funciona como catalisador para a ampliação dessa discussão. Afinal, bancos digitais oferecem contas, cartões de crédito, meios de pagamento e serviços que, sob a ótica do trabalhador, se confundem com a atividade bancária tradicional.

Outro fato relevante que pode causar algum impacto nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho é a recente publicação da Instrução Normativa nº 2278/2025, pela Receita Federal, que na prática promove a equiparação entre banco e fintechs, sobretudo quando dispõe que: “As instituições de pagamento e os participantes de arranjos de pagamentos sujeitam-se às mesmas normas e obrigações acessórias aplicáveis às instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional – SFN e do Sistema de Pagamentos Brasileiro – SPB relativas à apresentação da e-Financeira.”

Embora tal instrução normativa tenha sido concebida por razões distintas (combate a crimes contra a ordem tributária, incluindo lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio), a possível extensão dos seus termos às relações laborais não pode ser ignorada.

Enquadramento sindical
Apesar de o cenário jurídico ainda ser incerto, alguns pontos já podem ser destacados. No caso de enquadramento sindical, a tendência da Justiça é privilegiar a análise da atividade-fim da empresa e da função desempenhada, mais do que a nomenclatura do contrato. Algumas decisões favoráveis em primeira instância já garantem horas extras e reflexos salariais expressivos. Dessa forma, uma contratação inadequada pode resultar em condenações milionárias, dependendo do caso.

Além disso, os bancos digitais e fintechs devem avaliar a pertinência de ajustar seus contratos e políticas internas, evitando o registro genérico de empregados como “comerciários” ou “TI” sem análise concreta das atribuições. É necessário, ainda, prestar atenção na gestão de cargos de confiança. Atribuir título de gerente ou especialista não basta: é preciso comprovar a efetiva autonomia e a gratificação prevista em lei. Por fim, deve-se observar os movimentos sindicais, que têm intensificado fiscalizações e ajuizado ações coletivas. O risco de repercussão setorial é alto.

Assim, a discussão sobre o enquadramento nos bancos digitais expõe a tensão entre inovação tecnológica e relações trabalhistas. Se, de um lado, as fintechs representam modernização e inclusão financeira, de outro, desafiam as estruturas clássicas do direito do trabalho. A jurisprudência está em construção e tende a oscilar, mas os sinais são claros: a contratação nesses ambientes exige cautela redobrada, especialmente diante do posicionamento recente do TST.

Fonte: Conjur

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