O grande risco fiscal do Brasil é a taxa de juros, por Carlos Frederico Alverga
O grande risco fiscal do Brasil é a taxa de juros
O Senhor Campos Netto afirmou num evento em Londres que o risco fiscal existente nas contas públicas brasileiras é que é a causa da taxa de juros elevadíssima que o Banco Central (BC) pratica. Na verdade, o que ocorre é exatamente o contrário, o grande risco fiscal do Brasil reside precisamente na exorbitante taxa de juros básica estabelecida em virtude de o Copom praticar uma política monetária extrema e desnecessariamente restritiva.
Fazendo uma conta aritmética simples, podemos considerar que, caso o Governo Federal consiga obter um déficit primário de R$ 28 bilhões de modo a cumprir as regras do arcabouço fiscal, temos também que o dispêndio do Governo da União com juros em 2024 será em torno de R$ 750 bilhões, senão mais. Somando o déficit primário de R$ 28 bilhões com a conta de juros passivos de cerca de R$ 750 bilhões, temos um déficit nominal de R$ 778 bilhões, sendo que o déficit primário corresponde a apenas 3,59% do déficit nominal. A conta de juros passivos representa 96,41% do déficit nominal. O que é mais relevante: 3,59% ou 96,41%? Só esse pequeno e simples detalhe já desmente a falácia de Bob Fields Grandson. Demonstra-se facilmente, por intermédio de matemática elementar, que o desequilíbrio fiscal brasileiro é essencialmente de ordem financeira e proveniente, em 96,41% do seu montante, da exorbitante taxa/carga de juros que pesa sobre o orçamento da União.
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Querer negar isto dizendo que a causa é referente a excesso de gastos em saúde e educação e suas vinculações constitucionais relativas a patamares percentuais mínimos de investimentos incidentes sobre a receita de impostos, à política de valorização real do salário mínimo ou à indexação ao salário mínimo do benefício de prestação continuada que ampara milhões de brasileiros deserdados e miseráveis (enquanto a política de juros altos, a “bolsa banqueiro”, beneficia somente alguns milhares de bem aquinhoados e privilegiados) é negar o óbvio ululante.
Esta estimativa de dispêndio com juros em 2024 sendo de valor em torno de R$ 750 bilhões é extremamente conservadora para menos, tendo em vista a informação fornecida pelo economista, pesquisador e professor da UnB, José Luís Oreiro, no artigo “Por quem os juros dobram”, publicado no site Congresso em Foco, dia 25/10/2024, de que “no acumulado em 12 meses até agosto de 2024, o pagamento de juros sobre a dívida do setor público consolidado (União, estados, municípios e estatais) totalizou R$ 855 bilhões (o equivalente a 7,55% do PIB), conforme informação divulgada no site do Banco Central do Brasil.”
Partindo da hipótese de que metade da dívida pública está indexada à taxa SELIC, infere-se facilmente que sua manutenção em patamares tão elevados é decisiva e preponderante para a expressiva magnitude do déficit nominal. Desta forma, fica comprovado, algébrica e aritmeticamente, o equívoco do Sr. Campos Netto: não é a taxa de juros alta devido à percepção de risco fiscal pelo mercado que financia o Governo; na realidade, o grande risco fiscal é a taxa de juros SELIC em patamares elevadíssimos. Isto porque, conforme abordado em outro artigo, a política monetária restritiva incide e influencia decisivamente a política fiscal.
E isso porque ao aumentar a taxa de juros SELIC o COPOM do BC contrai a atividade econômica e faz com que a receita tributária do Governo diminua, ao mesmo tempo em que potencializa e maximiza a despesa com juros da dívida pública. E a consequência disso é um resultado fiscal piorado, com menor receita pública e maior despesa pública.
Outro aspecto relevante é o quanto é possível economizar no orçamento não primário, financeiro, do Governo Federal, em função de pequenas reduções na taxa de juros SELIC, para então ter recursos disponíveis para aplicar no orçamento das políticas sociais, que é o primário não financeiro, que fornece os recursos para saúde, educação, habitação, transporte, seguridade social. Fazendo um cálculo aproximado, tem-se atualmente uma dívida pública federal em torno de R$ 7 trilhões. Partindo do pressuposto de que metade da referida dívida, R$ 3,5 trilhões, seja indexada à taxa de juros SELIC, tem-se que 1% de redução na taxa SELIC proporcionaria uma economia da ordem de R$ 35 bilhões. Caso a redução seja de 0,75%, a economia será de R$ 26,25 bilhões; se a diminuição for de 0,5%, a economia será de R$ 17,5 bilhões. Caso a queda seja de apenas 0,25%, o valor economizado que poderia ser aplicado nas políticas sociais seria de R$ 8,75 bilhões, que poderiam ser destinados para saúde, educação, habitação, transporte, seguridade social e outras áreas em benefício da imensa população brasileira carente de recursos que está excluída do mercado por não ter condições de pagar e depende dos serviços públicos gratuitos ou subsidiados.
Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, segundo o jornal Valor de 30/01/2024, a despesa com educação da União em 2023 foi de R$100,8 bilhões, o equivalente ao impacto de uma redução de 2,88% na taxa SELIC relativamente à dívida pública federal. De acordo com notícia do portal G1 de 18/02/2024, a despesa da União com saúde em 2023 foi de R$ 170,26 bilhões, valor que corresponde ao impacto de 4,86% de redução na taxa SELIC. Já em relação ao gasto da União com o Bolsa Família em 2023 que foi de cerca de R$ 170 bilhões, temos que também corresponde a um impacto de 4,86% de redução na taxa SELIC.
Por outro lado, tem-se uma resistência hercúlea e inquebrantável do Congresso Nacional representante, em sua maioria, das oligarquias de direita, em contribuir para a realização do ajuste fiscal pelo lado da receita pública e do aumento da arrecadação. Vide agora há pouco, quando o Legislativo da União rejeitou a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas que inclusive está previsto na Constituição Federal, deve ser instituído por lei complementar, mas é letra morta há 36 anos desde a promulgação da Carta Cidadã. Também são aspectos dessa recusa de fazer o ajuste fiscal pelo lado da receita e não realizar a justiça tributária a não incidência de tributos sobre lucros e dividendos pagos a pessoas físicas, a elevadíssima sonegação tributária, bem como a colossal dívida ativa, os bilhões de gastos tributários não justificados, a absurda regressividade do sistema tributário brasileiro, em que os pobres pagam proporcionalmente mais tributos que os muito ricos, a tributação excessiva que incide sobre o consumo, a insuficiente tributação da renda e do patrimônio, a mais pesada tributação sobre a pessoa física em comparação com a pessoa jurídica.
A conclusão a que chegamos é de que a elite brasileira não quer pagar tributo e só pensa em ganhar dinheiro e enriquecer investindo no juro alto da dívida pública, se aproveitando da segunda maior taxa de juros real do mundo (a SELIC está em 10,75% ao ano, enquanto a meta de inflação é um IPCA de 3% ao ano, e o Brasil só perde para a Rússia no quesito juros exorbitantes) em vez de realizar investimentos produtivos que gerem emprego, renda e maior equilíbrio social e menor concentração da renda. Com uma classe dirigente como essa, o Brasil não precisa de inimigos.
Carlos Frederico Alverga: economista graduado na UFRJ, especialista em administração pública pelo Cipad/FGV e em Direito do Trabalho e Crise Econômica pela Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) e mestre em Ciência Política pela UnB. E-mail: fredrubino16@gmail.com
Fonte: Jornal GGN