Lista suja do trabalho escravo tem empresa de energia, sushis e até igreja
O que aconteceu
"Lista suja" contém 727 nomes de empregadores. Desses, 212 são empresas e 515 são pessoas físicas - como foi o caso do cantor Leonardo, incluído na relação recentemente.
Mais de 6,1 mil trabalhadores encontrados em condições análogas a escravidão. Em um resgate, 212 pessoas foram encontradas nestas condições. O caso ocorreu na zona rural de Itumbiara, em Goiás, no ano passado.
Maior número de casos é referente a trabalhadores domésticos. Ao todo, foram contabilizadas 92 situações deste tipo, que envolveram 101 trabalhadores, segundo a lista suja. Na sequência, vem a criação de bovinos, com 73 casos e 267 trabalhadores envolvidos. E em terceiro lugar fica o cultivo de café, com 62 casos e 752 trabalhadores envolvidos.
Minas Gerais lidera número de casos. Ao todo, 165 casos foram registrados no Estado, com 1.635 trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão. Na sequência aparecem São Paulo, com 81 casos e 610 pessoas encontradas nestas condições. Logo após vem Bahia (69), Maranhão (48), Pará (38), Piauí (38), Rio Grande do Sul (29), Goiás (28), Paraná (27) e Distrito Federal (24).
"Lista suja" tem três sushis. A relação contém três restaurantes japoneses localizados na cidade de São Paulo — Sushi Tucuruvi Delivery, Sushi Vila Formosa e Sushi Vila Gustavo. Os casos ocorreram entre 2022 e 2023 e envolveram 25 trabalhadores. Duas dessas empresas entraram na lista em novembro de 2023 e a terceira em abril deste ano. A Sushi Tucuruvi Delivery e a Sushi Vila Gustavo seguem ativas, conforme informado à Receita Federal. Já a Sushi Vila Formosa encerrou as atividades. O UOL tentou contato por email, mensagens e ligações com as três empresas. Na Sushi Tucuruvi e na Sushi Vila Gustavo os telefones informados à Receita Federal não completam a ligação. Já na Sushi Formosa uma pessoa atendeu e disse que "era engano" e que o número não pertencia aos antigos sócios da empresa.
Relação também tem academia. Na "lista suja" também há uma academia, a Acttion Olinda, em Pernambuco. O caso envolveu dois trabalhadores e ocorreu neste ano, com a inclusão da empresa em outubro deste ano. Em nota, a advogada Elizabeth Sodré informou que se trata de um processo administrativo já foi arquivado e que o nome da academia deve sair da lista. Porém, na visão dela, não há elementos específicos - como trabalho forçado, jornada exaustiva ou condições degradantes - para se enquadrar como situação análoga à escravidão.
"O processo foi instaurado na época da construção da empresa que durou média de 3 meses. Os fiscais ao chegarem ao local encontraram dois trabalhadores, trabalhadores esses que possuíam carteiras assinadas em outros estabelecimentos. Porém foi determinado a assinatura da CTPS e tudo foi regularizado na época. Na inspeção encontrou um colchão no primeiro andar colchão este que era utilizado para descanso após almoço, pois a empresa tinha um alojamento em Ouro Preto para os funcionários da obra dormirem lá. (...) Portanto, não há que se falar em trabalho escravo, pois não há qualquer situação extrema que pudesse enquadrar a empresa no tipo penal." Elizabeth Sodré, advogada da academia Acttion Olinda.
Distribuidora de energia entra na lista. A Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) também entrou no cadastro junto com o cantor Leonardo. A situação ocorreu após uma vistoria na CET Engenharia Ltda, que presta serviços para a Cemig, e em seus alojamentos em Contagem (MG), em 2013. Foram identificados 179 trabalhadores em condições análogas a escravidão. Os trabalhadores enfrentavam jornadas além do limite permitido, sem registro adequado nos controles de horário. A Cemig foi considerada corresponsável pela violação das normas trabalhistas. Em nota ao UOL, a distribuidora de energia disse que assim que tomou conhecimento das condições inadequadas nos alojamentos da CET Engenharia, prestadora de serviços na época, tomou providências rápidas para resolver o problema, rescindindo unilateralmente o contrato com a terceirizada.
Até igreja consta na "lista suja". O Santuário Nacional do Bom Jesus também foi incluído na última atualização do cadastro. O caso aconteceu no ano passado em Juiz de Fora, em Minas Gerais. Quatro trabalhadores foram encontrados em condições análogas a de escravidão. O UOL procurou o santuário, porém, após o repórter se identificar e explicar o motivo do contato, a comunicação foi interrompida - a reportagem será atualizada em caso de manifestação.
Comunidade terapêutica também foi incluída. A comunidade terapêutica Tenda do Encontro também passou a constar na "lista suja". Ao todo, seis trabalhadores foram localizados em condições análogas a escravidão em 2013. A comunidade terapêutica fica em Minas Gerais. O UOL conseguiu contato com o presidente da comunidade terapêutica Tenda do Encontro, Vander Ribeiro Campos, que disse que o processo está "em aberto" e que nesta terça-feira (15) houve uma audiência. Porém, informou que precisa conversar com um advogado, que estava em viagem, para dar mais detalhes.
Ponto de prostituição aparece na relação. Um alojamento e pontos de prostituição em Ribeirão Preto (São Paulo) também constam na lista. O caso envolveu um trabalhador, ocorreu em 2019, e envolveu um empregador pessoa física.
Destilaria está na lista. A destilaria Nova Era, de Guariba (SP), também consta no cadastro de empregadores. O caso aconteceu em 2022, com a inclusão da empresa na "lista suja" do trabalho escravo no ano seguinte. Ao todo, 18 trabalhadores foram encontrados nestas condições. O UOL também procurou a empresa, mas não houve retorno.
Quatro candidatos a vereador aparecem na lista. Dois deles não foram eleitos e os outros dois foram reeleitos, como mostra a OCCRP (Crime and Corruption Reporting Project), consórcio internacional de jornalistas investigativos. Um deles manteve 22 trabalhadores em condições análogas a de escravidão em uma plantação de caju.
O que é a lista suja
Documento público divulgado pelo governo. A lista suja é um documento atualizado duas vezes por ano - em abril e outubro - pelo Ministério do Trabalho. Ela pretende dar transparência à fiscalização contra o trabalho escravo.
Fiscalização lista infrações às leis trabalhistas. Nessa inspeção, os auditores fiscalizam todas as irregularidades trabalhistas encontradas, que violam gravemente os direitos dos funcionários. Em todas as autuações é garantido o direito do contraditório e defesa em duas instâncias administrativas.
Nome dos empregadores permanece por dois anos na lista suja. Os empregadores só são incluídos na "lista suja" depois da conclusão do processo administrativo, que se dá após um julgamento sem a possibilidade de recurso. Quem é incluído na lista, fica lá por, pelo menos, dois anos, mesmo que regulamente a situação em um prazo menor.
Fonte: UOL