‘Efeito Americanas’: Bancos devem diminuir crédito a grandes empresas e cobrar juro maior
Os bancos credores da Americanas provavelmente vão provisionar ao menos 50% do valor emprestado à varejista em seus balanços. Para analistas do setor, o aumento dessas reservas feitas para cobrir o risco de devedores duvidosos e o impacto do quarto maior caso de recuperação judicial no país devem ter um efeito cascata, que pode encarecer o custo do crédito para empresas e até para consumidores.
Não existe regra específica sobre o tamanho do provisionamento, isso pode ser definido pela instituição financeira. Os credores devem levar em conta exposição e nível de risco de cada operação.
— Quando a provisão dos bancos aumenta, eles tentam compensar essa provável perda aumentando juros, não de forma generalizada, mas tentam repassar alguma coisa para os tomadores de crédito, porque a incerteza aumenta — explica Luiz Miguel Santacreu, analista da Austin Ratings e especialista em sistema financeiro, que espera um patamar superior a 50% nos balanços.
Na resolução 2.682, o Banco Central fornece orientações para o nível de provisionamento relacionadas com os dias com atraso nos pagamentos. Atrasos superiores a 90 dias, por exemplo, devem ser classificados no nível E, com provisionamento de, no mínimo, 30%. Os maiores patamares são atrasos entre 151 e 180 dias, no nível G, e superiores a 180 dias, no H, quando o percentual deve ser de 70% e 100%, respectivamente.
‘Mais conservadores’
A recuperação judicial tem por objetivo evitar que a empresa quebre. Ela funciona justamente como uma trégua, com um período de 180 dias no qual o caixa da companhia fica blindado da ação dos credores. Nesta etapa, a empresa deve elaborar um plano para se reestruturar, que precisa da concordância dos credores.
— Como a lei determina que o deferimento da recuperação judicial suspende por 180 dias todas as ações contra o devedor, a reclassificação dos créditos para o rating mínimo (H) acaba sendo exigida desde o momento do deferimento ou, ao menos, para o rating G — diz Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito empresarial e sócio do escritório RBLR Advogados.
Com isso, em sua avaliação, os bancos devem provisionar 70% ou 100% do valor emprestado à empresa.
— Os bancos todos vão ter que provisionar, porque a Americanas pediu recuperação judicial. A classificação vai ser interna de cada instituição financeira de acordo com a norma do Conselho Monetário Nacional. Nesse caso, não vamos ter uma discrepância muito grande entre as instituições pela relevância do caso. Os bancos vão ser bem conservadores para fazer essa análise — disse o sócio do Godke Advogados, Marcelo Godke.
Santacreu explica que a recuperação judicial é que dá as diretrizes do quanto o banco deve separar. Em processos de grandes empresas, normalmente o percentual de abatimento da dívida é alto. Se o banco avalia que vai receber nada ou quase nada, a provisão é de 100%.
Para os bancos, não é só uma questão de quanto, mas de quando provisionar recursos. Mesmo o episódio da Americanas tendo sido revelado neste ano, a analista da Empiricus, Larissa Quaresma, que acompanha o setor financeiro, avalia que, pela relevância do evento, os bancos já devem fazer provisionamento adicional nos balanços do quarto trimestre de 2022, que ainda serão divulgados.
— O que não víamos até então era um comportamento ruim de crédito para as grandes empresas. Esse evento da Americanas mudou a perspectiva. É bem provável que os bancos se tornem mais conservadores na margem para o crédito das grandes empresas.
João Frota, analista da Senso Corretora, também avalia que os bancos devem se tornar mais rigorosos na concessão de crédito para empresas, algo que já era visto na modalidade de pessoa física com o cenário macroeconômico marcado por juros e inflação elevados.
— Os bancos vão ficar mais atentos, e isso significa alguma desaceleração na carteira de crédito. E se desaceleram os empréstimos, eles aumentam a taxa de juros para manter a rentabilidade.
Em relatório divulgado na semana passada, o Citi estima que Bradesco, Santander, BTG Pactual e Itaú são as instituições financeiras mais expostas a empréstimos da Americanas. O Bradesco é o banco com a maior quantia de empréstimos à Americanas, com R$ 4,7 bilhões, seguido pelo Santander (R$ 3,7 bilhões), Itaú (R$ 3,4 bilhões), BTG (R$ 1,9 bilhão) e Banco do Brasil (R$ 1,3 bilhão).
Na avaliação do Citi, o impacto no lucro líquido dos bancos pode variar de 3% a 7% para Santander, BTG e Bradesco. No caso do Itaú e do BB, deve variar de menos 1% a 3%.
Procurados, Bradesco, Santander, BTG, Itaú e BB não quiseram comentar.
Fonte: O Globo