Doenças motoras e decorrentes da Covid respondem por 90% dos afastamentos do trabalho

Luiz Carlos de Teive e Argolo (foto), presidente da Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais (ANMP), faz uma avaliação sobre a atual situação do INSS, as promessas de aposentadoria antecipada, o ranking das doenças que mais causam afastamentos do trabalho atualmente e o sistema de concessão de benefícios sem perícia presencial instituído pelo instituto.
Como a ANMP vê esse problema de advogados que prometem antecipar aposentadoria de quem tem certos problemas de saúde? Há algo que possa ser feito contra essas campanhas?
Esse é um problema grave, crônico e sem solução: a advocacia previdenciária predatória. Infelizmente, até hoje não vimos nenhuma campanha institucional ou da OAB no sentido de coibir isso. Pelo contrário, diversas normas internas do INSS têm favorecido o uso preferencial das agências por advogados em detrimento do próprio cidadão, como o uso de guichês exclusivos para advogados, o que acaba estimulando e promovendo essa prática. O segurado, em tese, não precisa da intermediação para requerer seus direitos no INSS.
Como está o ranking dos afastamentos do trabalho que geram benefícios por incapacidade? Os problemas motores ainda são os que causam mais incapacidade laboral?
Antes da pandemia, o ranking era de 70% para doenças motores, 15% para psiquiátricas e 15% para as demais. Na pandemia, até 2022, 70% eram relacionadas a Covid e 30% ao resto. Atualmente, temos 50% de doenças motoras, 40% de doenças pós-Covid e psiquiátricas, e 10% para o resto.
Os problemas de saúde mental causados por apostas (bets) já aparecem no ranking de afastamentos ou isso ainda é residual?
Ainda não. Burnout, depressão e TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) são os principais. Não há ainda essa questão de bets. No caso do BPC (Benefício de Prestação Continuada, que é pago pelo INSS a idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda), 90% das concessões são por autismo, um problema sério. Em sete anos, o gasto com BPC subiu de R$ 50 bilhões para R$ 125 bilhões por ano. E 90% desse aumento são devidos ao autismo, principalmente a partir de 2022.
Como está o quadro funcional da perícia médica federal hoje? O efetivo é de três mil profissionais apenas? Já foram seis mil? A redução é fruto de aposentadorias de servidores ou é reflexo do abandono da carreira?
Ativos atualmente são em torno de três mil peritos, em ritmo decrescente. Devermos ter 200 aposentadorias até o fim do ano. A redução é fruto de aposentadorias em especial, mas até 2018 a principal causa era o abandono da carreira. Perdemos três mil peritos entre 2009 e 2018.
O ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, também disse recentemente que 500 novos peritos médicos federais aprovados no último concurso deverão entrar em atividade até agosto. Aparentemente, esse número ainda está bem longe de suprir a necessidade. Qual seria o efetivo necessário hoje?
O efetivo necessário seria de três mil peritos. Os 250 aprovados e os 250 em lista de espera não foram alocados nos grandes centros.
Na opinião da ANMP, o que falta para a valorização da carreira? A transformação em uma carreira federal, e não mais da Previdência Social, não trouxe os avanços esperados pela categoria?
Falta entender a real importância da ação da perícia médica federal. A mudança trouxe alguns avanços, mas ainda há muita resistência, do INSS em especial, em aceitar nossa autonomia funcional. Muitos gestores têm visões erradas sobre a Previdência e nos enxergam como “obstáculos”. A gestão do departamento da perícia médica federal tem sido feito de forma amadora e incompetente. Ficamos seis meses sem chefia no início do governo Lula e de lá pra cá a chefia já foi trocada três vezes. Infelizmente, parte dos chefes de Divisão da Perícia Médica Federal não tem nenhum preparo para o cargo e faz gestão de compadrio.
A ANMP é muito crítica ao Atestmed (sistema do INSS que permite o envio de laudos e atestados médicos pela internet, dispensando a perícia presencial). Pede, inclusive, seu cancelamento. A entidade aponta como um dos principais efeitos o aumento do número de fraudes, sem que necessariamente haja redução da fila de requerimentos. Quais seriam as soluções, segundo a ANMP, para resolver o gargalo da perícia?
O Atestmed é o principal responsável pela explosão da fila e de gastos, junto com o descontrole do BPC. A solução é mais simples do que parece: acabar com o Atestmed, botar os peritos na agenda presencial, fazer gestão dos agendamentos (centralizar por agências e não por CPF), limpar os agendamentos repetitivos e parar de estimular a população a tentar obter um benefício que deveria ser a exceção e não a regra.
Por que a teleperícia, com a presença de um médico durante o processo, ainda que com atendimento a distância, também não surte o resultado desejado?
Porque é trocar seis por meia dúzia. Vai continuar sendo um perito e um segurado e uma agenda. Sendo que a telemedicina é mais demorada e mais precária. Ela só teria utilidade em locais sem peritos. Não é o que está acontecendo.
Qual a opinião da ANMP sobre o programa de pagamento de bônus aos profissionais para exames adicionais?
Somos a favor, vide o pente-fino que deu muito certo entre 2016 e 2018. Mas ele precisa ter regras claras, acesso igualitário entre os participantes. No atual momento, chefias estão largando a gestão para acessar de forma preferencial as perícias bonificadas em detrimento dos demais peritos, o que inclusive é altamente irregular.
O sistema com o qual os médicos peritos trabalham (Sabi) sempre foi alvo de muitas críticas. Ainda continua sendo um problema?
Sim. Sistema que já está ultrapassado há 15 anos pelo menos.
A última greve da categoria durou 235 dias, com um acordo assinado em abril deste ano. Como foi a adesão ao movimento? Quantos requerimentos deixaram de ser analisados no período? E qual o tempo necessário para reposição do trabalho dos peritos?
A adesão ao movimento começou forte, com o tempo obviamente foi reduzindo em especial após o corte do ponto, mas se manteve até o fim. Não sabemos quantos requerimentos deixaram de ser feitos. A reposição levará alguns meses.
Por que a ANMP questiona a distribuição de tarefas dentro do programa de gestão criado pelo INSS?
Porque ela tem sido seletiva e não equitativa. Isso é altamente irregular, gera privilégios e prejudica o trabalho de todos.
Fonte: Extra