Com aval de bancos, aposentadoria virou caixa eletrônico de golpistas

Com aval de bancos, aposentadoria virou caixa eletrônico de golpistas

Leonardo Sakamoto 

 

O Brasil tem um talento especial para criar máquinas de moer gente pobre, não só no setor público, mas também no privado. Desta vez, a engrenagem envolve bancos, seguradoras, clubes de benefícios duvidosos e a conivência e/ou incompetência do INSS. Aposentados e pensionistas, muitos com rendas que mal cobrem remédios e alimentação, estão sendo sistematicamente saqueados por débitos automáticos ilegais, irmãos daqueles descontos indevidos do INSS.

Os casos escancarados por investigação de Amanda Rossi, no UOL, mostram um padrão: cobranças de seguros nunca contratados, débitos de serviços cancelados há anos, descontos múltiplos que sugam o benefício antes mesmo de o aposentado poder pagar as contas básicas. Tudo feito a partir da conta do beneficiário.

Os bancos brasileiros, onde o débito automático é feito, fingem que não sabem, mas sabem. Eles são parte em vários processos, inclusive tendo sido condenados como mostra a reportagem.

Como empresas não se questionaram diante da quantidade de casos e por que elas não começaram por conta própria uma checagem juntos aos clientes? Pelo contrário, continuam permitindo que aposentados e pensionistas tenham seus benefícios saqueados por um esquema que existe porque eles, os bancos, decidiram fazer a egípcia. Isso não é "falha do sistema". É conivência.

Os golpistas por trás desses descontos ilegais só agem porque encontram portas abertas. Os bancos, que deveriam ser os guardiões do dinheiro de seus clientes, mantêm sistemas frágeis de verificação, permitindo que cobranças suspeitas sejam debitadas sem questionamento.

Bancos reconhecem que um débito automático pode ser feito mesmo sem aprovação do titular da conta, bastando que a empresa de cobrança envie o pedido com dados de identificação e conta bancária. Dizem que enviam comunicações aos clientes, mas de forma digital, ignorando que muitos aposentados são praticamente analfabetos digitais. Por que não implementaram um sistema de confirmação por voz para clientes idosos, por exemplo?

A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) diz que não compactua com qualquer prática ilícita ou abusiva contra o consumidor e joga a batata quente para o Banco Central ao se escorar em regras relativas ao serviço de débito automático para conta corrente. Elas apontam que, em caso de não reconhecimento desse débito, o cliente deve procurar o banco que originou essa despesa e pedir a suspensão desse pagamento. E brigar com as empresas que debitaram, não com o banco, claaaaro.

Novamente, ignorando que o cliente em questão, não raro, não sabe nem onde fica a tal da internet.

Repito: os bancos sabem que a sacanagem ocorre usando sua estrutura porque são processados e condenados por conta disso. Ao afirmar que fazem apenas o que pedem as regras do Banco Central, claramente ultrapassadas, as instituições dizem: "olha eu sei que vocês estão sendo tungados debaixo do meu nariz, mas como o governo não me pune se eu não for além do feijão com arroz, se virem nos 30". Ou melhor, nos 60+.

Parte dessas empresas fraudulentas já são velhas conhecidas da Justiça, com processos e condenações por práticas abusivas. Se há tantas ações judiciais contra as mesmas empresas, por que as instituições financeiras não pararam para checar quantos débitos automáticos elas estavam fazendo? Por que não notificaram os clientes para confirmar se as cobranças eram legítimas? Por que não criaram um plano para barrar esse tipo de fraude?

A resposta é simples: porque não há prejuízo real se eles não fizerem nada. Os bancos lucram com tarifas e serviços, e o custo de eventualmente indenizar alguns aposentados lesados é insignificante perto do que ganham deixando o sistema vulnerável.

Enquanto isso, os idosos, muitos com rendas que mal cobrem o básico, são obrigados a enfrentar horas no telefone, filas em agências e, não raro, processos judiciais para reaver o que lhes foi roubado.

O INSS também não está livre disso. Desta vez, a questão não são os descontos abusivos na fonte, como na tungada bilionária de associações e sindicatos, mas a nova sacanagem descoberta é um indicativo de que houve acesso irregular a dados de aposentados e pensionistas.

O Banco Central também precisa se debruçar sobre isso sob o risco de cumplicidade. Multas pesadas, processos criminais contra gestores e até a suspensão temporária do direito de operar débitos automáticos são medidas possíveis contra os bancos. Enquanto não houver consequências reais, eles continuarão fingindo que o problema não existe, e os aposentados seguirão sendo tratados como caixas eletrônicos de bandidos de colarinho branco.

A situação expõe uma assimetria inaceitável no tratamento dado a diferentes atores econômicos. Quando um cidadão comum comete um atraso no pagamento, enfrenta multas, juros e inclusão em cadastros de inadimplência. No entanto, quando bancos e empresas debitam valores indevidamente de aposentados atendendo a pedidos de picaretas, as consequências são praticamente nulas. Devolvem o valor cobrado irregularmente, muitas vezes sem qualquer dano moral pelo transtorno causado.

O envelhecimento da população brasileira torna esse debate ainda mais crucial. À medida que mais cidadãos atingem a idade de aposentadoria, precisamos garantir que seus direitos sejam protegidos com o mesmo vigor com que protegeram, durante décadas de trabalho, a economia do país. A omissão do poder público e a leniência com as instituições financeiras nesse tema não são apenas falhas administrativas - são violações graves dos direitos de uma parcela vulnerável da população.

Da mesma forma que o INSS é criticado, e com toda a razão, por permitir descontos ilegais, bancos e instituições financeiras precisam ser cobrados da mesma forma.

Fonte: UOL

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