Bancos querem tirar poder do INSS para definir juros do crédito consignado e deixar decisão com CMN

Os bancos querem tirar o poder do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) de definir os juros do crédito consignado para aposentados e pensionistas. O setor defende a transferência dessa competência para o Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central.
A discussão ocorre em meio às investigações de fraudes em descontos de mensalidades de associações e sindicatos aplicados na folha de pagamento dos aposentados e pensionistas do INSS. A proposta foi defendida em ocasiões anteriores e não nasceu relacionada ao escândalo. Agora, a intenção é aprovar uma emenda na Medida Provisória (MP) que regulamenta o crédito consignado para trabalhadores do setor privado.
O INSS não se posicionou sobre a proposta, mas, em resposta ao Estadão, disse que “é um órgão executor das políticas públicas, e acatará a decisão do CMN”.
Atualmente, o tamanho dos juros cobrados pelas instituições financeiras passa pelo Conselho Nacional de Previdência Social, que recomenda a taxa máxima ao INSS, responsável por aplicar e regulamentar os empréstimos com desconto direto em folha de pagamento.
O conselho é presidido pelo ministro da Previdência Social e composto por representantes de associações e sindicatos que estão sendo investigados por um esquema bilionário de fraudes em mensalidades descontadas dos benefícios de aposentados e pensionistas do INSS.
O ex-ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, demitido após o escândalo, é um histórico defensor de taxas menores para os aposentados e usou o tema como uma das principais bandeiras no cargo como forma de proteger quem recebe os benefícios.
Os bancos, no entanto, dizem que os juros são baixos perto do custo de captação e são definidos sem critérios técnicos que levem em conta a realidade do sistema financeiro.
“A definição de teto de juros, eventualmente não adequada ao cenário macroeconômico e aos diferentes perfis de públicos e de custos de cada produto, tem acarretado restrição de oferta para os públicos de maior risco, impedindo que esses clientes tenham acesso a uma linha mais barata de crédito e tenham que recorrer a linhas de crédito mais caras e sem garantias, aumentando o endividamento de suas famílias”, afirmou ao Estadão a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que representa os maiores bancos e as associações bancárias.
A federação defende a mudança também para os empréstimos dos servidores públicos federais, definidos pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) atualmente, dos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social, e de empréstimos com garantia do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), definidos pelo Conselho Curador do FGTS, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego.
“Buscando estabelecer diretrizes centrais e com a expertise necessária para o estabelecimento de teto de taxa de juros remuneratórios para o crédito consignado dos beneficiários INSS, dos servidores públicos federais e dos trabalhadores com direito aos recursos do FGTS, o setor financeiro defende que o Conselho Monetário Nacional (CMN), no exercício de suas competências legais, detenha a responsabilidade da definição de teto de taxa de juros desses produtos”, complementou a Febraban.
Procurados, o Banco Central, os ministérios que definem os juros do consignado (Previdência, Gestão, Trabalho e Desenvolvimento Social) e as pastas que compõem o CMN (Fazenda e Planejamento) não comentaram.
Atualmente, o teto máximo de juros para o crédito consignado do INSS é de 1,85% ao mês. A Taxa de Depósito Interbancário (DI), que representa um custo de captação do dinheiro para os bancos, está em 1,09% ao mês e teve um fase de alta no ano passado. Na prática, os bancos dizem que cobram um juro muito “baixo” por causa do teto do consignado mas estão pagando “caro” para captar o dinheiro, diminuindo a margem de lucro ou até assumindo prejuízos.
Em 2023, quando o Banco Central começou a cortar a Selic, os juros dos empréstimos do INSS também caíram. Quando o ciclo de aumento da Selic começou, em setembro de 2024, as taxas do consignado ficaram estagnadas, levando alguns bancos a suspender os empréstimos, e só foram subir em janeiro deste ano.
“Para contratos de valor muito pequeno, esse custo não consegue ser pago. O Banco Central proíbe as instituições de fazerem operações que gerem prejuízo. As operações de menor valor, que beneficiam aposentados com menor valor de benefício, acabam ficando inviabilizadas. Para os bancos, não resta outra coisa a não ser não fazer o empréstimo”, afirmou o CEO da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), Leandro Vilain, que representa as instituições de pequeno e médio porte.
A associação calcula que os juros do consignado do INSS precisariam estar atualmente com uma taxa entre 2,10% e 2,15% ao mês. “Somos a favor da proteção dos aposentados, não estamos propondo tirar das mãos do governo e nem deixar de existir o teto, mas queremos que pelo menos isso seja feito pelo órgão competente para esse assunto, que é o Conselho Monetário Nacional”, disse Vilain.
Deputados querem alterar lei para definir competência exclusiva do CMN
Uma lei de 2003 estabelece que cabe ao INSS a regulamentação dos procedimentos administrativos e operacionais do crédito consignado, mas não expressa uma autorização para o órgão definir a taxa máxima de juros. O INSS acabou tomando para si essa atribuição por meio de instruções normativas.
Os bancos argumentam que a Constituição, no artigo 192, e a Lei 4.595, de 1964, dão poder para o CMN estabelecer as regras do sistema financeiro. Agora, a intenção é colocar na legislação a competência exclusiva do CMN para definir as taxas cobradas nos empréstimos do INSS.
Na última terça-feira, 6, a Frente Parlamentar do Livre Mercado promoveu um jantar com congressistas da comissão que analisa a medida provisória. O slide apresentado pelos integrantes da frente mostrou os argumentos do sistema financeiro, a foto de Carlos Lupi, a logomarca dos sindicatos que fazem parte do Conselho Nacional de Previdência Social e uma manchete sobre a investigação das fraudes.
Além das mensalidades de associações, as investigações também começaram a apurar irregularidades em empréstimos consignados. Após decisões da Justiça e do Tribunal de Contas da União (TCU), o INSS bloqueou novos descontos de consignados, que dependerão agora de desbloqueio por parte dos beneficiários.
Quatro deputados apresentaram a proposta de alteração, que está sendo avaliada pelo relator do projeto e líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE). O grupo acredita que o escândalo dos desvios de dinheiro arrecadado por associações que cobram mensalidades de aposentados, e que participam da definição dos juros, fará a proposta ganhar força.
“Os sindicatos hoje fazem muito mais mal ao trabalhador do que bem, por defender uma agenda política em vez de defender o bem estar do trabalhador em seu ambiente de trabalho, o que cada vez mais aumenta a raiva do trabalhador, do aposentado e do pensionista a sindicatos e sindicalistas”, disse o deputado Rodrigo Valadares (União-SE), autor de uma das emendas.
O relator não se posicionou sobre a proposta, mas afirmou ao Estadão que vai submeter a discussão aos órgãos envolvidos. “O debate está começando, vamos ouvir os diversos segmentos, incluindo o Banco Central e os ministérios envolvidos, para dar um formato definitivo ao texto”, disse Rogério Carvalho.
Fonte: Estadão