Banco Central independente, juros altos, bolsa banqueiro e país refém

Banco Central independente, juros altos, bolsa banqueiro e país refém

Agiotagem com aval do BC gera 70 milhões de inadimplentes, resulta em pagamento de R$ 600 bilhões em juros pagos pelo governo ao mercado anualmente e vira instrumento para impedir o investimento produtivo

O Brasil é o país com a maior taxa de juros do mundo. A taxa básica de juros – Selic – está em 13,75% desde agosto de 2022. Quem define a alíquota é o Banco Central (BC), por meio do presidente Roberto Campos Neto e seus diretores que integram o Comitê de Política Monetária (Copom) em reuniões a cada 45 dias.  O governo eleito quer baixar a taxa de juros. Mas o Banco Central não deixa.

Com a aprovação do que foi chamado de “autonomia” do BC no governo de Jair Bolsonaro (PLC 179), em fevereiro de 2021, o governo federal não pode incidir sobre este instrumento fundamental para estimular a economia e os empregos.

“É uma vergonha, uma irresponsabilidade, estão brincando com o país”, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após ver negados os pedidos de redução da Selic.

Jogando contra o governo

Economistas, especialistas, auditores, professores explicam o absurdo desta situação, única no mundo. “A suposta independência do BC retira do governo eleito parte significativa dos seus instrumentos monetários para orientar a política econômica”, pontua o presidente do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos. “O presidente do BC não está afinado com o projeto político eleito pela sociedade brasileira e manipula os instrumentos, inviabilizando as promessas de campanha”, completa o auditor fiscal.

“É praticamente impossível implementar uma política econômica coerente e consistente sem que o governo controle as duas variáveis macroeconômicas mais importantes, o câmbio e os juros. É preciso gestão unificada, harmônica e convergente das políticas monetária e fiscal”, acentua o especialista da Fundação Getúlio Vargas, o economista e cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos de Alverga. Campos Neto só deixa o cargo no final de 2024, quando se encerra a gestão.

Descontada a inflação, o ganho para quem vive de juro é de, no mínimo, 8,5%. Uma maravilha para os rentistas, porém com efeito desastroso na atividade econômica: é muito mais seguro e rentável aplicar em títulos da dívida pública com um juro altíssimo do que arriscar no setor produtivo.

70 milhões com contas atrasadas

Um em cada três brasileiros está com as contas atrasadas. A taxa Selic tem tudo a ver com isso: impacta todas as operações, como os juros do cartão de crédito, cheque especial, empréstimos bancários, operações imobiliárias, financiamentos para empresas nas diferentes linhas. Quando a Selic sobe, todas sobem.

São 70,5 milhões de endividados e boa parte deve para vários credores. Também aumentou o valor médio das dívidas, que está em R$ 4.612,28.

Rentismo com dinheiro público

Em tese, a dívida pública deveria servir para financiar os investimentos estatais, mas, no Brasil, “é o Estado que garante a acumulação de capital dos detentores de títulos da dívida pública, estimulando o rentismo”, segundo o Prof. Paulo Rubem Santiago (UFPE).

Há uma falácia em relação ao “déficit público” que estaria sendo financiado por dívida pública quando a despesa primária supera a arrecadação tributária. Na realidade, esse cálculo omite uma série de receitas públicas, como explica o economista Rodrigo Ávila “considerando-se todas as receitas, vemos que a dívida pública tem retirado (e não aportado) recursos das áreas sociais, mesmo nos últimos anos.”

Fattorelli chama atenção para o fato de que “a receita financeira obtida com a emissão de títulos públicos tem sido consumida nos gastos com a própria dívida”, ressaltando que o Tribunal de Contas da União (TCU) já declarou ao Senado que a dívida interna federal não tem contrapartida em investimentos públicos.
A despesa anual do governo em juros da dívida pública em 2022 foi de, no mínimo, R$ 780 bilhões, conforme estimativa conservadora (que sequer considera os juros decorrentes de novas dívidas surgidas em 2022) e feita com dados oficiais, aplicando-se a taxa média divulgada pelo Tesouro Nacional (10,21% a.a.) pelo valor do estoque da dívida federal no final de 2021 (de R$ 7,643 trilhões).

“Chega a ser engraçado pautar ajuste fiscal sem considerar a despesa com juros”, ironiza o economista Róber Iturriet Avila, no artigo “A mamata de viver de juros no Brasil”. O valor é o dobro do gasto com todos os servidores públicos do país – 3,84% do PIB, ou com a despesa com saúde pública em 3,76%, por exemplo.

A dívida pública está em 76% do PIB, taxa menor que muitos países desenvolvidos, como os EUA, que chega a 124% do PIB. “O problema não é o volume da dívida pública, mas os juros”, reforça o auditor fiscal Pereira dos Santos.

Banco Central e capital improdutivo

“O Banco Central passou a ser um veículo de transferência de recursos públicos para as elites”, pontua o economista Ladislau Dowbor no artigo “A farsa do déficit”. As elites são uma colusão de bilionários nacionais com as grandes corporações transnacionais, usam o Estado (que criticam) para que drene os próprios recursos e facilite a apropriação improdutiva dos recursos das famílias e das empresas”, diz o autor dos livros A Era do Capital Improdutivo – a nova arquitetura do poder e Resgatar a função social da economia, entre outros.

Bolsa banqueiro é paga pelos brasileiros

O Banco Central paga ganhos financeiros aos bancos diariamente por meio de dois instrumentos: operações compromissadas (que no Brasil são utilizadas de forma abusiva, chegando a atingir 25% do PIB em alguns períodos) e depósitos voluntários remunerados. Esta segunda modalidade entrou em vigor também em 2021 logo após a independência do BC. A Lei 14.185/21  autoriza o BC a receber depósitos voluntários remunerados das instituições financeiras. “É a bolsa banqueiro, mais uma fonte para drenar dinheiro público ao sistema financeiro privado, uma excrescência em que o Brasil é campeão, provocando escassez de moeda em circulação e elevação dos juros de mercado”, afirma a presidenta da organização Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli.

Os bancos informam quanto dinheiro dos brasileiros (pessoas, empresas e órgãos públicos) tem depositado em conta corrente ou aplicações e ganham juro sobre esse montante. Esta sobra de caixa dos bancos é remunerada religiosamente pela taxa Selic.

O mecanismo é vendido como se fosse uma alternativa para o BC controlar a quantidade de moeda em circulação no sistema financeiro (liquidez bancária), sem elevar a dívida pública. Mas para a auditora fiscal aposentada, esse argumento é falacioso, pois o volume de moeda em circulação no Brasil é baixíssimo. Trata-se de mais um instrumento do rentismo parasita pago com dinheiro dos brasileiros.

Ela explica que em todo o mundo esse volume de moeda retorna para a sociedade por meio de empréstimo com juro baixo, fortalecendo a indústria, os empreendimentos, os empregos e o consumo.  Mas aqui não.

“Nosso sistema financeiro é gigante e disfuncional, pois não atua como criador de crédito e de financiamento do investimento e do consumo do setor privado; mas como corretor dos rentistas que vivem às custas do financiamento da dívida pública,” sintetiza o ex-ministro da Economia no governo de FHC, Luiz Carlos Bresser-Pereira, defensor de uma taxa de juros moderada, taxa de câmbio competitiva e ajuste fiscal duro, como apregoam os defensores do novo desenvolvimentismo.

A mentira do juro alto para controlar a inflação

O argumento alegado por Campos Neto para manter o juro alto é conter a alta de preços. Porém, especialistas explicam que os fatores que geram inflação no país hoje – petróleo e energia – não estão ligados à demanda e, portanto, não estão sob o controle da taxa Selic.

Novo Arcabouço Fiscal possível

O Novo Arcabouço Fiscal (NAF), anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já em negociação no Congresso Nacional, divide opiniões.

Voltado a equilibrar as contas públicas, o NAF promete zerar o déficit primário em 2024 e produzir superávit a partir de 2025. Os resultados fiscais positivos teriam a virtude de “reduzir a inflação, estimular o investimento privado e atrair novos investimentos internacionais”.

“Um novo teto de gastos suavizado”, é como resumem os professores de Economia da Ufrgs, André Moreira Cunha e Alessandro Miebach. “As medidas agradam ao rentismo, não garantem a recuperação da atividade econômica e ações de mitigação das iniquidades sociais”, registram em artigo recente.

 DNA da independência do BC está na ditadura

O estudo “O Banco Central ‘independente’: uma história que vem de longe…”, do professor de Direito da USP Gilberto Bercovici, mostra o DNA do modelo em vigor. O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) foi implantado em 1964 para afastar qualquer controle democrático sobre a atuação da autoridade monetária. Quando aprovada a autonomia no início de 2021, o doutor em Direito registrou que era o término de um ciclo, que começou com a ditadura militar.

Fattorelli destaca que, não por acaso, o programa (PAEG) foi implementado junto com a ditadura e comandado por Roberto Campos, avô do atual presidente do BC. “Não é uma coisa de hoje nem da nossa cabeça. Vem de um projeto planejado para impedir o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, que segue escondido, a serviço do poder econômico”, completa a auditoria fiscal. “Não popularizar o debate da política monetária é estratégia do grande poder financeiro para que ninguém perceba onde está a megacorrupção”, conclui.

Poder econômico premia Campos Neto

O Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements – BIS) escolheu Roberto Campos Neto para presidente do Conselho Consultivo das Américas (CCA), em janeiro, para uma atuação de dois anos, neste que é considerado o banco dos bancos centrais.

Para Fattorelli, o cargo é uma premiação dessa gigante empresa privada que orienta procedimentos de política monetária favoráveis ao mercado no mundo, adotados de forma subserviente por Campos Neto.

“Acreditamos que um Banco Central autônomo estaria melhor preparado para consolidar os ganhos recentes e abrir espaço para os novos avanços de que o país tanto precisa,” disse Campos Neto ao assumir o BC em 2019, após atuar 18 anos no mercado financeiro. Em 2021, seu nome apareceu no Pandora Papers, junto com o então ministro da Fazenda, Paulo Guedes, por terem empresas em paraísos fiscais e nunca informarem, apesar da relevância de seus cargos.

“Campos Neto é o mais irresponsável presidente do BC, controlado pela parte mais tacanha do mercado. Ele vai se afundar por si só. Mas quantotempo o país vai perder com isso?”, questiona o jornalista Luís Nassiff.

Fonte: https://www.extraclasse.org.br/

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