Aposentado pode levar nova tungada, enquanto rico é protegido no Congresso

Aposentado pode levar nova tungada, enquanto rico é protegido no Congresso

Leonardo Sakamoto  

Aposentadorias e pensões são vinculadas ao salário mínimo, mas isso pode mudar a depender do Congresso. Até porque, como todos sabemos, pobres têm menos gasto com alimentação, saúde e moradia quando envelhecem, pois viram plantas e passam a realizar fotossíntese.

O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), relator do grupo de trabalho da reforma administrativa, afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, que pode incluir a desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo na proposta.

Desvincular significaria que o reajuste anual desses benefícios ocorreria apenas pela inflação ou, talvez, nem isso. Com o passar dos anos, a situação distanciaria o seu valor do mínimo salário vigente — que voltou a ter ganhos reais, ou seja, acima da inflação, desde o início do terceiro governo Lula.

Há problemas com o Orçamento e a Previdência que precisam, mais cedo ou mais tarde, ser encarados de frente. A questão não é essa. Seria importante que antes de tungar o andar de baixo para fechar as contas, o Congresso Nacional atingisse primeiro o andar de cima, só para variar. Não que cortar privilégios dos mais ricos vá resolver o problema, mas isso ajuda pelo menos a fingir que vivemos realmente em uma democracia plena.

Por exemplo, taxando quem ganha mais de um milhão por ano via dividendos de empresas e paga menos imposto que alguém que recebe três salários mínimos por mês (o projeto foi enviado pelo governo, mas muita gente no Congresso, que seria prejudicado com isso, está com uma má vontade louca).

Limitando os privilégios de servidores dos Três Poderes, principalmente do Poder Judiciário, que dão um jeitinho de ganhar bem mais que o teto do funcionalismo (a proposta da reforma administrativa promete lidar com o tema, mas duvido que o parlamento vá comprar essa necessária briga com o Poder Judiciário e o Ministério Público).

E escrutinando benefícios e renúncias fiscais. É claro que nem tudo pode ser cortado nesse bolo de R$ 800 bilhões, segundo os novos cálculos. Mas há sim coisas que poderiam ser reduzidas se houver vontade política, apesar do que dizem os céticos e cínicos de plantão. Limitar a dedução nos gastos de saúde no Imposto de Renda que hoje dá bilhões às classes média alta e alta, diminuir os incentivos à Zona Franca de Manaus e a um rosário de setores econômicos como de eventos, fazer um pente fino no Simples.

Repito: isso só não resolve e sacrifícios terão que ser feitos pelo resto da população. Mas é uma sinalização importante sobre a quem serve a política.

O ministro Fernando Haddad travou (e perdeu) uma disputa com setores que contam com benefícios, como os que conseguiram junto ao Congresso Nacional a extensão da desoneração de suas folhas de pagamento (comunicação, mídia e jornalismo, inclusive). Mas a emenda constitucional 109/2021 apontou que o país precisa limitar essas renúncias em 2% até 2029. Hoje é mais que o dobro, o que levará a uma situação inconstitucional.

Como sempre digo aqui, é mais fácil o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha do que algo mudar nessa seara, considerando que há parlamentares que são soldados desse povo e lobistas operam 24/7 no Congresso para que tudo fique exatamente como está. Infelizmente, o andar de baixo não é tão ouvido.

Em nome da saúde das contas públicas, muita gente boa crescida no leite de pera defende que aposentadorias e pensões deixem de ser vinculadas ao salário mínimo, hoje em R$ 1.518 (lembrete rápido: de acordo com o Dieese, o salário mínimo deveria ser de R$ 7.398,94 a fim de cumprir o mínimo constitucional e garantir vida digna a uma família).

Com o tempo, isso pode atingir também o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza extrema, que é permanente, mas também o seguro-desemprego, o seguro-defeso (pago a pescadores artesanais em parte do ano) e o seguro-desemprego especial aos resgatados da escravidão, que são temporários.

Até agora, a equipe de Haddad vem atuando para tentar corrigir distorções em benefícios, ou seja, pente-fino. E distorções existem, inclusive com a benção do Poder Judiciário, que libera BPC a torto e direito, mesmo para quem não se enquadra nos critérios.

É fato que os déficits da Previdência Social vêm aumentando e que isso não pode ser ignorado. Mas com categorias que se beneficiam de condições especiais (como os militares), o sistema sangrando através de fraudes trabalhistas (como terceirização e pejotização ilegais) e até a resistência de plataformas de motoristas e entregadores de recolherem encargos previdenciários (o sistema de MEI é importante, mas ele gera um baita déficit), a situação realmente fica difícil.

Como já disse aqui em texto anterior, o caso da roubalheira no INSS precisa de xilindró aos envolvidos e devolução total (e com correção monetária) do que foi subtraído, seja do patrimônio dos criminosos e/ou do caixa da União. Mas constrói-se, aos poucos, e silenciosamente, a ideia de que o Brasil não aguenta pagar o mínimo para garantir uma vida digna de quem não está na ativa. E isso vai desaguar em algo muito pior.

Fonte: UOL

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