Após megaoperação revelar PCC na Faria Lima, o crime vai usar coletinho?

O PCC pode ter nascido dentro dos presídios, mas há tempos ele não está apenas em vielas escuras, mas ocupa poltronas confortáveis em gabinetes com ar condicionado. Uma megaoperação, nesta quinta (28), escancarou um novo patamar de sofisticação: a infiltração do Primeiro Comando da Capital no coração do sistema financeiro nacional, a região da avenida Faria Lima, em São Paulo.
A imagem de uma busca e apreensão em uma empresa listada na Bolsa de Valores, a Reag, colocando uma das maiores gestoras independentes do país, com foco em recursos e patrimônio, como suspeita de participar de uma "lavanderia" de dinheiro da facção ajuda a derrubar preconceitos ao lembrar que ricos e pobres podem ser suspeitos de crimes.
Os agentes também estiveram em administradoras em outros endereços da Faria Lima. A força tarefa aponta que cerca de 40 fundos e suas gestoras são suspeitos de serem utilizados pelo PCC. Há leis que impedem isso e o mercado é regulado, mas tem sempre alguém esperto achando que qualquer dinheiro é dinheiro.
A Operação Carbono Oculto aponta que o PCC, por meio de empresas de fachada e investimentos no setor de combustíveis, construiu um complexo esquema para ganhar cascalho grosso com a venda de produtos adulterados, bem como lavar lucros astronômicos com o tráfico e o crime. E o fez com uma eficiência que faria corar muitos conglomerados legítimos.
Já não se trata apenas de domínio de territórios ou rotas de contrabando. Trata-se de capturar a própria engrenagem do capital, tornando-se quase indistinguível dela.
A infiltração no setor de combustíveis não é novidade, qualquer pessoa que mora na periferia de São Paulo já ouviu histórias de companhias de ônibus e postos de gasolina pertencentes ao crime. Mas a revelação do envolvimento da Faria Lima pelo poder público indica um salto. É a criminalidade entendendo que, no capitalismo tardio, o verdadeiro poder não está apenas no controle do fuzil, mas no do fluxo de capitais.
O mais preocupante é que essa metamorfose não ocorre por genialidade dos líderes do crime, mas, muitas vezes, pela conivência, ativa ou passiva, de um sistema que privilegia o lucro acima de tudo. Profissionais do mercado financeiro, contadores, advogados e gestores que fecham os olhos para a origem duvidosa dos recursos ou que se tornam especialistas em burlar a fiscalização são os facilitadores dessa ascensão. Políticos e policiais vêm na retaguarda, garantindo segurança ao sistema.
Combater esse crime de colarinho branco é tão urgente quanto enfrentar a violência nas pontas. Enquanto o Estado não cortar o fluxo que alimenta e lava o dinheiro das facções, estaremos apenas enxugando gelo. As operações policiais são fundamentais, mas precisamos de um sistema de inteligência financeira mais ágil, de reguladores mais rígidos e de uma Justiça que puna não só os executores no morro, mas os estrategistas nos escritórios.
Por dois anos, a força-tarefa envolveu a Receita Federal, o Grupo de Atuação Especial do Crime Organizado do Ministério Público em vários estados, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, além das polícias estaduais, a Agência Nacional de Petróleo, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo e Secretaria de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, entre outros. Foram mais de 1.400 agentes. É muita energia, pois o negócio foi grande.
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Se o crime já possui estrutura corporativa, já faz gestão de risco, tem política de due diligence, está atento ao compliance (garantido por tribunais do crime) e atua no mercado financeiro, o que falta para ele lançar um IPO e abrir seu capital? Em quanto tempo, estarão camuflados com coletinhos puffer, disfarçados entre trabalhadores sérios do mercado, andando pelo Itaim Bibi?
O PCC, que hoje é uma máfia transnacional e não quer apenas dominar os mercados ilícitos. E, se nada for feito, em breve, poderemos ter que ler nos jornais não sobre operações policiais, mas sobre a cotação do crime organizado na bolsa.
Em tempo, uma curiosidade: Em junho, uma proposta da Reag para a constituição de uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol) foi aprovada por associados do Juventus, tradicional clube paulista na Mooca. A oposição da atual gestão denuncia o caso como uma tentativa de golpe para benefício econômico de alguns em detrimento do clube. A empresa também tem o naming rights do cinema Belas Artes, em São Paulo.
Leonardo Sakamoto
Colunista do UOL
Fonte: UOL
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL