A era das catástrofes

A era das catástrofes

As enchentes diluvianas que devastam o Rio Grande do Sul, somadas a outros desastres ambientais em todo o planeta, não deixam dúvida: vivemos uma era de eventos catastróficos que só tendem a se ampliar e se intensificar. Mesmo assim, os governantes e as sociedades se comportam como ébrios delirantes que caminham alegremente para o abismo.

Não existem mais dúvidas científicas de que essa era é provocada pela ação depredadora dos seres humanos. Catástrofes ambientais ocorreram no passado, mas, pela primeira vez na história do planeta, as violentas mudanças ambientais são provocadas pelas ações humanas. O antropocentrismo tem gerado o caminho de uma mudança de era geológica, caracterizada como Antropoceno. Embora o Comitê da União Internacional de Ciências Geológicas, em votação realizada em fevereiro de 2024, tenha recusado reconhecer a presente era como Antropogênica, muitos cientistas e pesquisadores argumentam que as evidências e as marcas das ações humanas no planeta legitimam a adoção da tese.

A tese do Antropoceno foi formulada em 2000 pelo químico e Prêmio Nobel holandês Paul Crutzen. O Antropoceno expressa a ideia de uma nova era, na qual o ser humano tornou-se a força impulsionadora da degradação ambiental e catalisadora das condições para a catástrofe ecológica. Essa dimensão da crise é consequência da cisão que as pessoas promoveram entre o humano, a vida e o planeta. Todo o sistema de mediações socioeconômicas passou a basear-se apenas no jogo de interesses desmedidos e sem critérios de indivíduos, grupos (classes), nações e povos. A vida, a natureza, as espécies e o planeta passaram a ser considerados instrumentos e meios dos interesses socioeconômicos dos humanos.

O modo de produção capitalista, com suas variantes, é a causa principal da destruição ecológica e da degradação socioambiental. Os paradigmas teóricos, as construções do conhecimento e os padrões industriais e tecnológicos geraram modelos de desenvolvimento depredadores, orientados para a maximização do lucro no curto prazo, a expansão ilimitada do consumo, o crescimento descontrolado da mão de obra e das populações, gerando pesados custos aos sistemas sociais e naturais.

A degradação ambiental, que provoca a morte entrópica do planeta, é resultado de uma concepção de mundo, de formas de conhecimento científico, social e religioso com que a humanidade construiu um mundo no qual se destrói a natureza e mantém bilhões de indivíduos na pobreza. O parâmetro principal da medida de todas as coisas não é a vida ou o bem-estar, mas o lucro rápido.

A combinação das variantes do modelo econômico depredador, do crescimento demográfico e do modelo industrial e tecnológico gerou um processo descontrolado que rompeu os limites da sustentabilidade do planeta. Esse modelo chegou ao limite e tornou-se incompatível com os fundamentos da continuidade adequada da vida na Terra. A agressividade da ação humana sobre e contra a natureza bloqueou a capacidade de regeneração dos ecossistemas. Esse descontrole violento compromete os objetivos econômicos e sociais do próprio sistema depredador.

Vários estudos apontam um limite do crescimento econômico, que não pode mais continuar indefinido. A violência e a velocidade da transformação dos recursos naturais e os resíduos nefastos que produzem são muito mais rápidas do que a capacidade de recuperação, regeneração e reposição da natureza. Tudo isso se agrava quando nos deparamos com políticos e governantes que praticam o negacionismo, outros que se omitem em adotar as medidas urgentes e necessárias para mitigar os efeitos desastrosos das mudanças climáticas e em adotar medidas de resiliência nas cidades, no campo e na produção.

O próprio governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tem patrocinado ações de teor criminoso contra o meio ambiente. Nos últimos anos, promoveu cortes absurdos no orçamento da Defesa Civil e nos projetos de resposta a desastres ambientais. Em 2019, propôs um projeto que alterou 480 pontos do Código Florestal estadual. A prefeitura de Porto Alegre não investiu nenhum centavo na prevenção contra enchentes em 2023. Já em Brasília, em março, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, com 38 votos a favor e 18 contra, um projeto que permite devastar campos nativos do tamanho do Rio Grande do Sul e do Paraná juntos.

Os políticos negacionistas e aqueles que agem para afrouxar a legislação de proteção ambiental deveriam passar a ser vistos como criminosos pela sociedade. Eles devem ser denunciados de forma ampla para que paguem o preço de seus crimes contra a sociedade, contra a vida, contra as espécies e contra a natureza. •

Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

 

Fonte: Carta Capital

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